Para que votam os emigrantes?
Ninguém ignora que a atribuição de quatro mandatos em nada impactaria a correlação de forças na Assembleia. Mas mais importante que ganhar alguns dias, é salvaguardar a relevância de cada voto na sua dupla dimensão, formal e simbólica. Fazer o contrário disto, apressar o passo, é frustrar expectativas, é dizer que, simbolicamente, os votos obedecem a uma hierarquia de importância.
A contagem de votos dos círculos eleitorais da emigração marca o fim do apuramento de resultados das eleições legislativas. A forma como o processo foi conduzido pouco valorizou a participação política das comunidades.
Nos dois círculos da diáspora, as legislativas de seis de Outubro tinham a particularidade de servirem de teste às novas regras, que permitem que o eleitor opte pelo voto presencial ou postal. O resultado é decepcionante.
Até agora, em eleições para a Assembleia da República, o voto emigrante acontecia unicamente por via postal. A chegada do recenseamento automático trouxe consigo a possibilidade de opção, desde que expressa atempadamente.
A entrada de mais de um milhão de novos eleitores nos cadernos, a par da insuficiente divulgação das mudanças introduzidas, e da manutenção de velhos constrangimentos, resultou numa sucessão de problemas, reclamações e peculiaridades.
Desde logo, mesmo que dentro do prazo legal, a tardia divulgação das listas definitivas, a 21 de Setembro, quando já decorria a votação nos círculos da Europa e Resto do Mundo, levou a que muitos eleitores votassem sem saber, com absoluta certeza, em quem votavam.
No Reino Unido, votos foram devolvidos. Casos semelhantes foram relatados em França. Os boletins provenientes da África do Sul não chegaram a Lisboa e outros exemplos encontraríamos.
A significativa operação logística necessária para distribuir perto de 1,5 milhões de votos ajudará a explicar parte dos obstáculos encontrados. Não poderá ser ignorada a dependência de serviços postais estrangeiros, com níveis de funcionamento distintos, nalguns países até sem distribuição domiciliária. Agora, nada disso é razão bastante para que não se assuma a forma algo displicente com que os diferentes protagonistas encararam, mais uma vez, o processo eleitoral fora de portas, a montante e a jusante.
Enquanto os votos dos emigrantes continuavam por contar, o Presidente da República indigitava o primeiro-ministro, que por sua vez anunciava a composição do governo. No Parlamento, os partidos decidiam sobre a distribuição de cadeiras.
Ninguém ignora que a atribuição de quatro mandatos em nada impactaria a correlação de forças na Assembleia e podemos concordar que os prazos são demasiado dilatados. Mas estas são as regras do jogo democrático. As nossas regras e o nosso jogo. Mais importante que ganhar alguns dias, é salvaguardar a relevância de cada voto na sua dupla dimensão, formal e simbólica. Fazer o contrário disto, apressar o passo, é frustrar expectativas, é dizer que, simbolicamente, os votos obedecem a uma hierarquia de importância.
Convocar à participação política um número tão expressivo de portugueses pode ser uma oportunidade ou um embuste. Uma oportunidade, se isso significar uma mudança de paradigma na relação do país com a sua diáspora. Um embuste, se, como até aqui, não se for além da retórica, consubstanciada num Conselho das Comunidades inconsequente, uma rede diplomática distante e uma visão folclórica – logo, redutora – das comunidades.