A abstenção, às vezes, faz-me ter vergonha de ser português

Quero explicar a quem não vota que a vossa incúria me afecta enquanto eleitor, que terei de aturar um governo que poderia ter perdido as eleições. Para tal, bastaria que tivessem cumprido o vosso dever cívico.

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Pedro Fazeres

Agora que as contas das legislativas estão arrumadas, posso afirmar que estou furioso com o desleixo dos meus compatriotas. Como é que é possível a abstenção ter atingido o valor recorde de 51,43%?!?

Estou profundamente perplexo com a apatia dos portugueses para com o rumo de Portugal e da Europa. Não votar é querer ser cego, surdo e mudo. É abdicar de uma voz crítica (como é óbvio, quem não vota não se pode queixar dos governantes). Representa não só a perda de escolha no presente como dificulta que haja uma escolha melhor no futuro. Quem se abstém contribui activamente para a deterioração da democracia porque, apesar de não ajudar a que esta seja aprimorada, continua a beber dos seus subsídios, da sua educação gratuita, dos seus transportes ou das suas estradas. A abstenção é querer receber sem dar em troca. Não nos esqueçamos de que muito do que vemos, desde a porta de casa até à fronteira da nossa região, é providenciado pelo Estado. Os jardins, as pontes e os hospitais são resultado de decisões governamentais. Os governantes fazem muito por nós, pelo povo, e o povo tem a incumbência de retribuir, de se manifestar, de lhes comunicar se estão ou não a fazer um bom trabalho.

Quero explicar a quem não vota que a vossa incúria me afecta enquanto eleitor, que terei de aturar um governo que poderia ter perdido as eleições. Para tal, bastaria que tivessem cumprido o vosso dever cívico.

Defendo que quem ignora o voto, quem não faz um esforço para guiar a jangada de pedra que é o nosso país, não pode usufruir das coisas boas que o Estado tem para oferecer. Na minha opinião, prescindir do voto é prescindir também do direito a receber subsídios como o abono de família. Desenganem-se se pensam que defendo um sistema de sanções para quem não vota. O que defendo é simplesmente a ausência de benefícios.

A verdade é que a abstenção não diz nada. Coisa muito diferente é o papel em branco, o voto de protesto por excelência. Acredito que o voto em branco deve ter expressão na Assembleia da República. Ou seja, se há 50% de votos em branco, então passa a haver 115 lugares vazios no Parlamento. Assim, cada partido veria o seu número de deputados reduzido para 50%. Nos casos em que a percentagem não se traduz num número absoluto, arredondar-se-ia para baixo: se há uma abstenção de 50% e um partido elege 13 deputados, ficaria reduzido a 7.

Depois de conhecida a abstenção brutal dos portugueses nas eleições europeias de Maio deste ano (69,3%), Miguel Sousa Tavares disse que “quem não vota em eleições europeias não deve poder ir ao programa Erasmus”. Concordo com o escritor. O desinteresse e a ausência de contribuição para o projecto da União Europeia devem ser retribuídos com a indiferença de Bruxelas. O programa Erasmus (acrónimo para European Region Action Scheme for the Mobility of University Students) foi criado em 1987 pela associação estudantil AEGEE Europe e recebeu rapidamente o apoio da União Europeia. Actualmente, Bruxelas disponibiliza 14.700 milhões de euros por ano para ajudar milhares de jovens europeus a estudarem em universidades por toda a Europa. O sucesso do Erasmus deve-se ao seu apadrinhamento por parte da União Europeia e existe porque os governantes europeus perceberam que a medida agradava aos eleitores. É o reflexo de uma vontade dos cidadãos executada pelos governantes europeus. Sem votos, os dirigentes deixam de perceber o que é que as pessoas querem. O voto é, pois, um canal de comunicação directo entre milhões de indivíduos e um grupo restrito responsável por gerir uma região.

Mas continuem a iludir-se — vós que persistis em não votar — e a arranjar justificações para a vossa preguiça e egoísmo. Afinal de contas, Donald Trump, Jair Bolsonaro e o “Brexit” são a prova provada de que são sempre os mesmos a vencer. Faz lembrar aquela frase: na política são todos contra todos e no fim ganha a Alemanha. 

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