Plano para reserva natural mais antiga do país está em marcha há anos mas ainda ninguém o conhece
Depois de abandonada há vários anos, em 2016 começou a desenhar-se um projecto para a Reserva Ornitológica do Mindelo, que em 2017 arrancou, mas só neste sábado é que será apresentado pela primeira vez com nova designação – Naturconde. Associações temem que se desvirtue a função inicial da área protegida e lamentam falta de transparência.
Só neste sábado é que a Câmara Municipal de Vila do Conde vai apresentar pela primeira vez o projecto para a reserva natural mais antiga do país, apesar de já estar a ser desenhado desde 2016. Fundada em 1957 pelo professor Santos Júnior, a Reserva Ornitológica do Mindelo (ROM) passou em 2009 a Paisagem Protegida Regional do Litoral de Vila do Conde e Reserva Ornitológica de Mindelo (PPRLVC e ROM). Na semana passada, sem que fosse tornado público antes, a autarquia desvendou através de sinalética instalada no local que esta ganharia outra designação – Naturconde. Falta conhecer os planos da autarquia para aquela área. Há associações e cidadãos que temem que esta área protegida seja transformada num parque de lazer. Para travar o projecto foi lançada uma petição online e seguiu uma queixa para a Comissão Europeia.
O motivo para essa desconfiança, diz ao PÚBLICO o presidente do Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens (FAPAS), Nuno Gomes Oliveira, prende-se com a instalação pelo município de alguns painéis que apresentam uma nova marca para aquela zona. Até serem instalados ninguém tinha ouvido falar desta designação, afirma. Teme o responsável pela associação que esta seja uma forma de se “apagar” o nome original da reserva. Por isso, diz desconfiar das motivações por trás do nome Naturconde. Por não ter obtido respostas sobre o que está definido para o projecto que está já em marcha fez seguir, em nome do FAPAS, uma queixa para a Comissão Europeia para que o propósito original para a reserva não seja esquecido.
“Nada se fez pelo ecossistema”
E que propósito é esse? Diz-nos que como prioridade deve estar sempre a preservação do ecossistema da área protegida. Na ROM, que passou a PPRLVC e ROM quando a área se alargou até ao Litoral Atlântico - desde a Foz do Rio Ave em Azurara até à Foz do Rio Onda em Labruge -, existem 145 espécies de aves, 300 espécies de invertebrados e flora diversa, alguma dela rara. Apesar de em 2017 terem-se dado os primeiros passos para se pôr em prática o plano gizado em 2016 com a construção de um observatório de aves e no ano passado com a requalificação dos caminhos dentro da área protegida, afirma nada ter sido feito pelo ecossistema da mesma. Por este motivo acredita que pode estar a projectar-se para ali um parque de lazer ou de “merendas”. Sublinha ainda que as duas intervenções foram mal pensadas e mal executadas por não servirem o propósito.
Quem também defende esta tese é Joaquim Pereira Cardoso, fundador em 1992 da Associação Amigos do Mindelo e presidente da junta da mesma localidade durante 15 anos e presidente da assembleia local durante 5 anos. Actualmente não ocupa nenhum destes cargos - no ano passado deixou a associação que fundou, após ter-se empenhado na sua reactivação, no início de 2018. Porém continua activo na defesa da reserva natural que diz conhecer como as palmas das suas mãos. Relativamente aos caminhos, assim como defende Nuno Gomes Oliveira, diz que cresceram desnecessariamente em largura e que foram escolhidos os materiais errados para os requalificar. O piso em saibro considera provocar alterações nos lençóis freáticos. Já sobre o observatório de aves diz não servir “para nada” por não permitir a melhor visibilidade.
Relativamente à preservação do ecossistema, questão que considera central, afirma “nada” ter sido feito. “Fala-se em sustentabilidade, mas o que tem sido feito é no sentido da insustentabilidade da reserva”, sublinha. O professor de gestão do ISCAP - Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto afirma haver apenas um resultado das obras que foram realizadas: “Deitaram-se 328 mil euros ao lixo”.
Incompreensível considera ter-se iniciado este processo sem que o plano tenha sido tornado público e a criação de uma nova designação para substituir a anterior e “esconder” o passado da ROM. Em comunicado a autarquia adiantou que a nova designação foi usada para aproveitar a abertura das candidaturas a fundos comunitários, afirmando ser o que sempre acontece “neste tipo de projectos”, sublinhando que “esta designação não se refere ao território, mas sim a acções de intervenção nesse próprio território”. Porém esta explicação entra em choque com o que está nos painéis já espalhados na ROM. Nas tabuletas pode ler-se que a reserva “adoptou a marca Naturconde, integrada na Rede Nacional de Áreas Protegidas”.
Ainda que o plano tenha começado a ser desenhado em 2016 e posto em prática desde 2017, para este sábado de manhã, no Auditório Municipal de Vila do Conde, está marcada a primeira apresentação pública do projecto. Tanto Joaquim Pereira Cardoso como Nuno Gomes Oliveira dizem ser inaceitável que só agora se dê a conhecer o projecto. Adiantam ainda que a mudança de designação e a candidatura a fundos europeus não foi levada a reunião de câmara ou a assembleia municipal. O PÚBLICO tentou confirmar essa informação junto da autarquia, mas a resposta veio em forma de comunicado, sem que essa dúvida fosse esclarecida.