Quando Bárbara Paz filmou Babenco

Bárbara Paz, viúva de Héctor Babenco (1949-2016), o realizador de O Beijo da Mulher Aranha, fez um documentário sobre os últimos tempos de vida do marido, Babenco — Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou, que ganhou o prémio de Melhor Documentário sobre Cinema em Veneza.

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Bárbara Paz, actriz brasileira de teatro, cinema e telenovelas e viúva do cineasta Héctor Babenco fotografada em Lisboa francisco romão pereira

Babenco — Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou não era para ter saído assim. Quando Bárbara Paz, a viúva de Héctor Babenco (1949-2016) e actriz brasileira de teatro, cinema e telenovelas, começou a registar os últimos tempos de vida do marido, a ideia que tinha para a sua primeira longa-metragem era outra. O filme acabou por receber o prémio de Melhor Documentário sobre Cinema pelo júri da secção Venice Classics da edição deste ano do Festival de Veneza, festival no qual o próprio Babenco nunca chegou a ser premiado — foi jurado uma vez, em 1998, e só participou como co-realizador num filme de antologia que foi apresentado em Veneza em 2014. 

Era um filme diferente daquele que chega a Portugal provavelmente em Março de 2020, segundo a realizadora. “Queríamos fazer um filme de memória, queria retratar esse homem por quem estava apaixonada, esse pensador. Ele estava a ter uns lapsos de memória e queria resgatá-la”, explica Bárbara Paz ao PÚBLICO num hotel no Príncipe Real, em Lisboa. O plano era os dois viajarem até à Argentina, onde Babenco nasceu e cresceu, e a Los Angeles, mas tal não foi possível. O filme estava 40% feito” quando o autor de O Beijo da Mulher Aranha, filme que o transformou no primeiro realizador brasileiro a ser nomeado para um Óscar em 1986, morreu em 2016. Bárbara Paz, que conheceu e se apaixonou por Babenco em 2007, numa edição da Flip, a festa literária de Paraty, e se casou com ele em 2010, esteve os três anos seguintes a completar o trabalho. Não é assim tanto tempo, garante a realizadora: “Tem gente que demora dez anos. Eu achava que ia acabar num ano, mas não é assim. Se pudesse não teria terminado ainda. A gente não termina, a gente desiste.”

A realizadora veio a Portugal para participar no festival de literatura Folio, em Óbidos, esta terça às 19h30. O mote é a apresentação do livro Mr. Babenco — Solilóquio a dois sem um, que faz parelha com o filme e reúne vários materiais, incluindo transcrições de conversas entre os dois e poemas inéditos do realizador. “O livro é o 100%”, resume, enquanto num filme cabe muito menos.

Nesse longo processo, decidiu incluir excertos dos filmes do marido para ilustrar fases diferentes da sua vida e contar a sua história. Foram rodados a cor, mas neste caso acabaram por ser transpostos para o preto-e-branco do documentário, uma escolha que tem que ver, conta, com o facto de as memórias cinematográficas de Babenco serem a preto & branco. Essa opção também está associada a uma das referências estéticas do filme: O Cavalo de Turim, de Béla Tarr. Outra grande inspiração, conta, que chegou a mostrar ao marido durante o processo de rodagem: Nick's Movie - Um Acto de Amor, documentário co-realizado por Wim Wenders e Nicholas Ray sobre os últimos tempos de vida de Ray.

Abandonou também a vontade que tinha de não aparecer e, instigada por Maria Camargo, creditada como co-argumentista apesar de, diz a realizadora, a escrita de um documentário ser feita sempre na edição, percebeu que teria de se incluir a ela própria no filme e mostrar a intimidade dos dois. No início do filme, Babenco explica à mulher que num documentário não pode entrar tudo, senão fica com mais de quatro horas.

O documentário passa, este domingo, pela Mostra de São Paulo, um festival em que Babenco mostrava todos os seus filmes e, paralelamente, onde Bárbara Paz, afirma ela, se descobriu como cinéfila ao mudar-se para a cidade aos 17 anos. Depois disso segue para Mar Del Plata, Argentina, a cidade-berço de Babenco, que se naturalizou brasileiro e era visto no Brasil como argentino e na Argentina como brasileiro, num festival em que o próprio Babenco trabalhou. “Foi lá que aprendeu tudo sobre cinema e carregou a mala do [François] Truffaut”, explica a realizadora. Passará ainda pelo Cairo. Afinal, Babenco, menciona a realizadora, “dizia que a gente podia fazer um filme e passar quatro anos a viajar por festivais”.

Mas os próximos tempos não vão ser só para este filme. Bárbara, que antes tinha realizado curtas-metragens, vai fazer um filme de ficção. “Será sobre a solidão no mundo contemporâneo”, partilha: “Vai ter um tom totalmente diferente, tem de se distanciar. Este filme é o meu documentário, o meu poema visual para ele, agora em 2020 vou começar o meu poema para mim.”

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