As nove decisões do juiz Ivo Rosa que a Relação anulou em dois anos

Relação de Lisboa não consegue contabilizar quantas decisões deste juiz foram alvo de recurso e se as mesmas foram anuladas ou confirmadas. Juiz teve nota máxima na última avaliação.

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MANUEL DE ALMEIDA

O Tribunal da Relação de Lisboa anulou pelo menos nove decisões do juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), nos últimos dois anos. O número resulta de uma contabilidade feita pelo PÚBLICO com base em notícias divulgadas pelos meios de comunicação social. Isto porque a Relação de Lisboa diz não ser possível dar uma estatística das decisões desse juiz que foram alvo de recurso e se as mesmas foram anuladas ou confirmadas.

“Só conseguimos contabilizar os recursos por número de processo. Nos nossos dados não consta o nome do juiz que assina a decisão alvo de recurso”, explica o presidente da Relação de Lisboa, Orlando Nascimento.

Apesar de as anulações não serem de agora não impediram o juiz de, na última avaliação, ter a nota máxima: Muito Bom. A aparente contradição é explicada por fontes da magistratura com o facto de os juízes terem uma ampla liberdade de interpretar a lei, mesmo que a mesma seja minoritária e não partilhada pelos tribunais superiores.

O caso que investiga alegados benefícios concedidos à EDP por parte do ex-ministro Manuel Pinho é o campeão das anulações. Só neste inquérito, a Relação de Lisboa já reverteu pelo menos cinco decisões de Ivo Rosa, três vezes este ano e duas vezes no ano passado. Em causa estão várias decisões do magistrado do TCIC que condicionaram a investigação, recusando autorizar a realização de várias diligências, como o acesso a e-mails ou a informação bancária. As divergências estão relacionadas com o entendimento de Ivo Rosa sobre o poder do Ministério Público, que dirige a fase de inquérito, e o papel do juiz de instrução que intervém para garantir o respeito pelas liberdades dos arguidos.

Num dos casos, os juízes da Relação participaram do juiz ao Conselho Superior da Magistratura, que, contudo, recusou abrir um inquérito para apurar eventual responsabilidade disciplinar. 

Estas anulações ocorreram num clima de guerra entre os dois procuradores que investigam o caso EDP, que contestam em múltiplos recursos a visão restritiva da utilização da prova e dos meios de prova de Ivo Rosa. As divergências levaram os procuradores a avançarem com um incidente de recusa ao juiz que foi negado. Antes, o Ministério Público já tinha perdido dois recursos relacionados com as nulidades declaradas pelo juiz sobre a apreensão de e-mails da consultora Boston Consulting Group e de um administrador da REN arguido no processo.

Tancos: Desembargadores reverterem decisão de Ivo Rosa 

No caso que investigou o roubo de material militar em Tancos e o reaparecimento do mesmo em Outubro de 2017 foram invalidados dois despachos de Ivo Rosa. Uma semana após o reaparecimento do material num terreno da Chamusca, foi pedida autorização para solicitar às operadoras de telecomunicações as listas de tráfego das antenas de telemóvel do Montijo, Golegã, Entroncamento e Torres Novas, importantes para descobrir a origem da chamada supostamente anónima para o piquete da Judiciária Militar a dar conta do paradeiro do armamento.

Ivo Rosa entendeu que analisar os dados de tráfego de todas as pessoas cujos telemóveis estiveram no raio de acção das antenas em causa era ilegal. “As antenas em causa abrangem uma grande dispersão territorial, ou seja, um universo indiscriminado de pessoas. Autorizar, mesmo que relativamente a um período temporal curto, a obtenção da listagem detalhada de todas as chamadas que as utilizaram” seria “violar a reserva da intimidade da vida privada” garantida na Constituição, escreveu. Em Março de 2018, a Relação reverteu a decisão e autorizou a quebra do sigilo das comunicações.

Fontes ligadas à magistratura sublinham que uma parte da jurisprudência entende que quando o pedido incide sobre os dados de tráfego de todas as pessoas que tenham estado em determinada zona a certa hora, muitos tribunais recusam autorização, por o pedido não visar informações apenas sobre “suspeitos” ou “arguidos”. Há decisões de diversos tribunais da Relação neste sentido.

O juiz que é conhecido entre os colegas como garantista dos direitos dos arguidos recusou igualmente prolongar as escutas a alguns suspeitos do caso de Tancos, uma decisão revogada em Maio de 2018.

Em Novembro desse ano, a Relação de Lisboa reverteu uma decisão de Ivo Rosa que arquivara todos os crimes ligados ao terrorismo de que foi alvo um cidadão marroquino acusado de pertencer ao grupo Estado Islâmico e de recrutar operacionais em Portugal. O juiz só manteve as acusações por um crime de falsificação de documento e por quatro crimes de contrafacção de moeda. O caso acabou por seguir para julgamento com o rol completo de acusações e em Julho deste ano, o suspeito acabou condenado a 12 anos de prisão pelos crimes de recrutamento para o terrorismo, financiamento do terrorismo e falsificação de documentos. 

Também na Operação Marquês, o juiz já viu uma decisão revogada, havendo vários recursos pendentes. Em Novembro de 2018, Ivo Rosa declara extinta a caução de 300 mil euros aplicada ao ex-ministro socialista Armando Vara. O procurador Rosário Teixeira recorreu, justificando que se mantinha “o perigo de fuga e de perturbação do decurso da instrução do processo” e já Vara se encontrava na prisão quando a Relação decide reactivar a medida de coacção.

Mas a Relação também valida decisões de Ivo Rosa. Em Maio passado, a Relação indeferiu um recurso do Ministério Público que pedia uma outra caução (económica) de meio milhão de euros para Armando Vara, destinada a garantir o pagamento de uma eventual indemnização ao Estado.

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