Benvenuta, Itália! A história de um renascimento a meio da revolução
O futebol italiano mudou e Roberto Mancini aproveitou-o para a selecção nacional. A Itália “cínica” e com base na defesa forte é, agora, uma Itália mais “romântica” e com foco nos médios e nos criativos. Por enquanto, isso já valeu bilhete para o Euro 2020.
Depois do título Mundial, em 2006, a selecção italiana de futebol “passou as passas do Algarve”, quer pelo declínio de uma geração, quer pelas dificuldades de adaptação ao futebol moderno. Aproveitando uma “revolução” no futebol italiano, a selecção nacional (com sete treinadores em 12 anos) reinventou-se, assentou, renasceu e, depois de falhar o Mundial 2018 e de fazer uma má Liga das Nações, fez uma fase de qualificação perfeita para o Euro 2020, confirmando, neste sábado, a presença no certame.
A Itália é, agora, uma equipa novamente temida pelos principais “tubarões” europeus. Até porque parece ser, outra vez, um desses “tubarões”. E ainda bem para o futebol europeu, que a Itália pós-2006 pouco mais era do que um “tubarão bebé”.
O futebol italiano era, por definição, desde o catenaccio dos anos 60, um futebol de consistência. Segurança defensiva, o chamado “cinismo” e o ataque “pela certa” eram os ingredientes-chave das equipas italianas, quer a nível de clubes quer a nível da selecção nacional. Mas isso mudou.
Em Itália, os treinadores estão diferentes – Maurizio Sarri é o expoente disto mesmo – e o futebol está diferente também. Mais ofensivo, mais predisposto a controlar os jogos com bola, fã de associações curtas e crente de que somar várias oportunidades de golo e jogar próximo da área adversária é estar mais perto da vitória. A Liga italiana ainda tem em Antonio Conte – um grande estratega – o “herdeiro” da “velha Itália”, mas grande parte dos treinadores do campeonato já têm um futebol diferente e mais ousado. Gasperini, Giampaolo, Fonseca, Montella, Mihajlovic ou o próprio Simone Inzaghi são bons exemplos.
A nível de selecção nacional, Roberto Mancini soube ver esta mudança. E viu os millenials. No papel, a equipa de Cannavaro, Nesta, Materazzi, Zambrotta, Gattuso, De Rossi, Tommasi, Pirlo, Ambrosini, Marchisio, Del Piero, Inzaghi, Toni ou Totti é, actualmente, uma equipa de “meninos” dos anos 90 ou até dos anos 2000 (Moise Kean ou Sandro Tonali). Na estratégia, Conte e Ventura tinham uma Itália baseada na coesão defensiva e com três grandes defesas-centrais, enquanto Mancini, mantendo os “chefes” Bonnuci e Chiellini, tem uma Itália baseada nos médios. Durante anos, Pirlo “alimentava” craques como Totti, Del Piero, Vieri, Toni ou Inzaghi. Agora, Verrati, Jorginho e Barella são os “maestros”. E ainda sobram Sensi, o ex-Benfica Cristante, Tonali, Locatelli ou Pellegrini, um lote jovem, mas já rodado no futebol italiano.
O jogo de sábado, frente à Grécia, foi um exemplo paradigmático do que é a “nova Itália”: uma equipa jovem, no papel, e, no campo, controladora, adepta da posse e das combinações por dentro e por fora. Ainda assim, e apesar da presença constante em zona ofensiva, continua refém de um grande avançado capaz de finalizar.
Sem os avançados de outrora (Balotelli e Belotti não se têm afirmado na selecção), Mancini já várias vezes tem trocado o típico ponta-de-lança italiano por uma “sociedade” de criativos como Insigne, Bernardeschi, Chiesa, Zaniolo ou até o bastante móvel Immobile – algo que não se tinha visto no futebol italiano neste século.
A Itália, à “moda espanhola”, com cinco ou seis médios em campo, era um cenário impensável nos últimos anos, mas bem real neste pré-Euro 2020. Uma prova na qual esta “squadra azzurra”, renascida a meio de uma revolução, quer regressar aos grandes títulos. Mancini assumiu-o na última sexta-feira, mesmo sem ter ainda o apuramento garantido.
Se a ousadia do treinador for seguida pelo atrevimento de um elenco jovem e pela qualidade técnica de uma equipa mais ofensiva – mas com “patrões” na defesa –, então esta Itália pode bem ser um “tubarão” à espera de “caçar” no Euro 2020.