Prejuízo do SNS mais do que duplicou em 2018. Despesa com pessoal aumentou 220 milhões de euros

O saldo negativo do Serviço Nacional de Saúde foi superior a 848 milhões de euros, um agravamento da ordem dos 145% em comparação com o ano anterior. Mas foi também o ano com mais cirurgias de sempre e com mais doentes com médico de família.

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Ilustração: Jorge Silva/BIG

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) terminou o ano de 2018 com um prejuízo superior a 848 milhões de euros, um agravamento da ordem dos 145% em relação ao ano anterior. O resultado justifica-se em grande parte com o aumento da despesa com pessoal (mais 220 milhões de euros do que em 2017) e da factura com fornecimentos e serviços externos (mais 230 milhões de euros). Em contrapartida, os pagamentos em atraso (a mais de 90 dias) a fornecedores externos diminuíram 358 milhões de euros em comparação com 2017, totalizando 486 milhões de euros no final de 2018.

A dimensão do “buraco” contabilístico do SNS só foi conhecida esta sexta-feira, com a publicação do Relatório e Contas do Ministério da Saúde e do SNS no site da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), apesar de a divulgação das contas de 2018 ser há muito reclamada pelos partidos da oposição. Além do impacto dos gastos com recursos humanos e do fornecimento e serviços externos (uma rubrica que inclui as facturas com cantinas, refeitórios, lavandarias, meios complementares de diagnóstico com recurso a convencionados, contratação de médicos em prestação de serviços, entre outros itens), as contas agora conhecidas reflectem igualmente “a diminuição das transferências correntes registadas, uma vez que foram efectuadas em 2018 entradas de capital sem impacto nos rendimentos do ano”, sublinha-se no documento. 

Em 2018, ao contrário do que sucedeu em 2017, em que se fez um reforço através de transferências correntes, optou-se por efectuar um aumento de capital de vários hospitais, valor que não se reflecte nos resultados finais, explicou uma fonte da ACSS ao PÚBLICO. “Foi uma opção política”, frisou. Isto significa que os hospitais “tiveram uma maior entrada de capital, apesar de apresentarem um resultado mais negativo, e isso reflectiu-se num valor mais negativo do saldo do SNS”. 

Quanto aos gastos com pessoal, que representam quase 40% do total da despesa do SNS, estes subiram 5,7%, ultrapassando pela primeira vez a fasquia dos 4 mil milhões de euros, com a contratação de mais médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde, a passagem dos funcionários com contratos individuais de trabalho às 35 horas e o descongelamento de carreiras.

O relatório foi publicado após as eleições, apesar dos protestos da oposição ao Governo. No final de Setembro, o líder do PSD, Rui Rio, questionou o facto de as contas do SNS relativas a 2018 não terem ainda sido divulgadas. “Suspeito que ele [o relatório] não vai sair antes de 6 de Outubro, apesar de se reportar a 2018”, disse Rui Rio, que especulou então que os números deveriam estar ainda “piores do que podemos imaginar”. “A degradação que se tem visto no Serviço Nacional de Saúde é particularmente preocupante” e este é “o sector onde o Governo mais falhou”, defendeu Rio. Uma acusação que foi rejeitada pelo secretário de Estado-adjunto da Saúde, que lembrou que a maior parte dos dados contabilísticos estavam já disponíveis no portal da transparência do SNS.

As boas notícias

Mas o documento com as contas do SNS está recheado de boas notícias que servem para justificar o acréscimo da despesa em 2018. Entre outras coisas, destaca-se que o ano passado foi aquele em que se fizeram mais cirurgias programadas, com o número de doentes operados no SNS a ser “o mais elevado de sempre”, um aumento de 6,2% em comparação com 2017, e o ano com “o número mais baixo de sempre de utentes sem médico de família”, 690.232. Também o número de consultas médicas nos cuidados de saúde primários (centros de saúde) aumentou 1,6%, atingindo um total superior a 31,1 milhões.

É igualmente enfatizada a a descida de cerca de 590 milhões de euros no passivo do SNS, para um total de 3,79 mil milhões de euros, e a diminuição de 145,6 milhões de euros nas dívidas a fornecedores e outras contas a pagar (menos 4,2%), para 3,36 mil milhões de euros. Também os pagamentos em atraso diminuíram substancialmente. Isto significa que se está a fazer um esforço para pagar com maior rapidez, explica a fonte da ACSS. 

Olhando para as várias rubricas da despesa, conclui-se que esta cresceu também devido ao aumento dos gastos com a comparticipação de medicamentos, com cuidados continuados, diálise e cuidados respiratórios domiciliários. Segundo o relatório, a despesa com produtos vendidos nas farmácias subiu 61 milhões de euros em comparação com 2017. Nesta rubrica incluem-se dispositivos da diabetes, medicamentos, dietéticos, produtos de ostomia e incontinência e câmaras expansoras.

“Para além de se ter registado um crescimento da despesa com medicamentos em 3,4%, em 2018, passou a pagar-se às farmácias a remuneração específica (12,9 milhões de euros) e a comparticipar produtos de ostomia e incontinência (21,6 milhões) e câmaras expansoras (1,2 milhões)”, salienta o documento. O valor médio de comparticipação do SNS subiu, o que levou a uma diminuição do valor pago pelos utentes. A comparticipação média por receita no ano passado foi de 19 euros.

Também os gastos com meios complementares de diagnóstico aumentaram por comparação com 2017, como o PÚBLICO já tinha noticiado em Maio. De acordo com o Relatório e Contas 2018, no ano passado o SNS pagou aos privados com quem tem acordo para a realização de exames, análises e outros cuidados dentro desta área pouco mais de 471 milhões de euros. No ano anterior a conta saldou-se em 446 milhões.

A subir estiveram igualmente os gastos com cuidados continuados, área que na região de Lisboa e Vale do Tejo continua deficitária. Em 2018 a despesa nesta área ascendeu a cerca de 157 milhões de euros, mais 8,2%. Diz o relatório da ACSS que este acréscimo “poderá ser explicado pelo aumento de capacidade que tem vindo a ocorrer”. Em Julho deste ano, o Ministério da Saúde anunciou a autorização de abertura de mais 446 camas, elevando a resposta da rede para 9334 camas na rede de cuidados continuados.

Mais de 100 pedidos para investimento

No ano passado, a ACSS recebeu “105 pedidos de autorização para a realização de investimentos, os quais ascenderam a um valor total proposto de 126.246.248 euros, com uma comparticipação financeira de Fundos Comunitários no valor de 64.571.136 euros”. Mas nem todos tiveram luz verde.

Segundo o relatório, 76 projectos (no valor de quase 67 milhões de euros) “foram objecto de despacho de autorização do Ministério da Saúde”. Destes, quatro aguardavam pelo despacho de autorização do Ministério das Finanças a 31 de Dezembro do ano passado. “Do número total de autorizações, indicado anteriormente, 27 propostas de investimento previam a alocação, total ou parcial, do seu custo para os anos seguintes ao da respectiva submissão, equivalente a um valor total de 22.945.003 de euros.”

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