Entendimento para quatro anos não é impossível
É uma espécie de quadratura do círculo o que se espera de António Costa para conseguir um acordo alargado para a legislatura. As conversas oficiais poderão resultar em entendimentos diferentes com cada parceiro.
Apesar da urgência na formação do Governo afirmada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa - que nesta terça-feira ouve os partidos parlamentares -, não serão fáceis as conversações que o líder do PS, António Costa, conduzirá com o BE, o PCP, o PEV, o PAN e o Livre sobre eventuais entendimentos parlamentares de apoio ao executivo por si chefiado. Conversações que deverão começar formalmente na quarta-feira.
De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, nada garante, neste momento, que seja possível fazer um acordo permanente para o “horizonte da legislatura” com estas cinco forças partidárias, como António Costa disse desejar na noite eleitoral.
É real a vontade manifestada por António Costa de alargar o entendimento que manteve com o BE, o PCP e o PEV, na anterior legislatura, ao PAN e ao Livre, garantem responsáveis socialistas ao PÚBLICO. Ela foi, aliás, reafirmada nesta segunda-feira pelo número dois do Governo cessante, Augusto Santos Silva, que insistiu na ideia de que o eleitorado quis dar “continuidade à actual fórmula política”.
Mas há consciência, na direcção do PS, de que tal objectivo pode ser difícil de alcançar. Tanto que, na própria noite eleitoral, António Costa admitiu: “Se for possível dessa forma, excelente. Se não for possível, haveremos de encontrar caminho para assegurar estabilidade.”
Uma estabilidade que pode passar por entendimentos negociados caso a caso, dando preferência ao BE, PCP, PEV, PAN e Livre. Mas que, em certos temas e questões mais estruturais, podem abranger o PSD.
Peso do PS, um obstáculo
A dificuldade de um entendimento parlamentar permanente com o “horizonte da legislatura” é explicado, segundo as informações recolhidas pelo PÚBLICO, com a nova correlação de forças no Parlamento. Um dos obstáculos desse entendimento é precisamente o peso do PS. Subiu de 86 para 106 deputados e pode aumentar até 108 ou 109 com o apuramento dos votos da emigração (círculos que elegem mais quatro deputados). Neste momento, tem já 1.866.407 votos, quando há quatro anos teve 1.742.012, no total.
A subida do PS é acompanhada por maus resultados dos parceiros de aliança parlamentar na legislatura que acaba. O BE estagna em 19 deputados, tendo perdido força real, pois baixou de 10,22%, em 2015, para 9,67% e obtém, neste momento, 492.487 votos contra os totais de 549.878 há quatro anos. A CDU (PCP e PEV) desce de 17 para 12 deputados, baixa de 8,27% para 6,46% e de 444.955 votos para 329.117.
Acresce a esta alteração de correlação de forças o crescimento do PAN, que passa de um para quatro deputados, e a entrada no Parlamento da deputada do Livre. Factos que ajudam a diluir o peso político do BE, do PCP e do PEV, logo, aumentam o peso relativo do PS. Além da configuração do Parlamento ter mudado – ou por causa disso –, a posição do BE e do PCP perante um eventual entendimento com o PS também mudou, salientam responsáveis socialistas ao PÚBLICO.
Tensão com BE
Quanto à relação entre o BE e o PS, a tensão é notada por responsáveis de ambos os partidos. De um lado, há socialistas que vêem as declarações de Catarina Martins como uma “subida de patamar” e um posicionamento para um acordo a dois, que o PS não pode aceitar fazer só com Catarina Martins, sublinham.
Mas há responsáveis do BE que garantem que a disponibilidade deste partido para um entendimento bilateral com o PS é idêntico ao de há quatro anos e frisam que um acordo tem de ser sobre medidas concretas que contemplem propostas do BE, como então.
Daí Catarina Martins ter deixado claras as linhas vermelhas para um acordo: leis laborais, combate à precariedade, protecção do Serviço Nacional de Saúde e dos serviços públicos, controlo público dos CTT, investimento público na habitação e transportes, respostas à emergência climática.
Já o tom do PCP é outro e o secretário-geral comunista, Jerónimo de Sousa, foi peremptório a afastar a possibilidade da repetição de um acordo assinado como há quatro anos: “Ainda não consultei os meus camaradas, mas, pelo que tenho ouvido, não haverá repetição da cena do papel”. Mas no PS há quem saliente que um acordo com o PCP pode ser apenas um compromisso verbal para a legislatura, a ajustar caso a caso, desde que os comunistas assegurem estabilidade a longo prazo.
O comité central reúne-se esta terça-feira, mas o próprio Jerónimo de Sousa não deixou de admitir a possibilidade de acordos formais medida a medida, nomeadamente em matéria de Orçamento do Estado. E lançou bandeiras que o PCP quer ver reconhecidas: aumento geral dos salários, com ordenado mínimo nos 850 euros em 2020; aumento das reformas; alargamento do passe social a todo o país; 1% no Orçamento para a Cultura; investimento no SNS.
Igualmente, o líder do PAN, André Silva, admite negociar com o PS em termos bilaterais, com base em propostas do seu programa eleitoral.
Quanto ao Livre, o partido estreante em São Bento, tem defendido um entendimento alargado à esquerda, mas com outra arquitectura, ou seja, com acordos multilaterais e não bilaterais como há quatro anos. O objectivo do Livre é a criação de uma estratégia conjunta para o país. Mas o partido tem aquilo a que chama as suas “linhas verdes” e que quer ver contempladas em negociações: um novo pacto verde que resulte num plano de investimento; o aumento do salário mínimo anual de 10% durante quatro anos; rejuvenescimento dos docentes do Ensino Superior e financiamento deste sector; reforma da administração pública e alteração das políticas do território. com Liliana Valente