No Manchester United, Solskjaer parece o gato de Schrödinger à espera do fim
Treinador norueguês não tem sido capaz de travar a espiral descendente da equipa. E no dia 20 há um embate com o Liverpool.
O futebol é pobre, os resultados são ainda piores, os jogadores parecem estar a render menos do que podem e sabem, o treinador não faz um diagnóstico aprofundado — e não apresenta soluções credíveis — e os adeptos já pouco crêem na equipa. Este parágrafo parece a descrição de um clube modesto a tentar não descer de divisão num qualquer campeonato, mas encaixa, actualmente, na vida do Manchester United.
O clube continua pujante — dificilmente se derruba totalmente um gigante destes —, mas, no futebol, pouco mais está do que moribundo. O pós-Alex Ferguson, treinador que se reformou em 2013, continua a ser um suplício para o United, que não acerta o rumo. Se é que o tem.
David Moyes não resultou, Louis van Gaal idem, José Mourinho foi despedido e Ole Gunnar Solskjaer pouco mais tem sido do que um milagreiro temporário. Os números da temporada anterior são sintomáticos: começou com dez vitórias nos primeiros 11 jogos, mas, no final, terminou com apenas duas nos últimos 12. A Solskjaer foi prometido tempo, esperavam-se ideias e pediram-se resultados, mas o tempo já lá vai, as ideias não vêm e os resultados não aparecem.
O Manchester United não ganha fora há oito jogos (pior série desde 1989), somou 17 pontos nos últimos 17 jogos (só duas equipas fazem pior) e perdeu no último domingo frente ao Newcastle, ocupando, agora, o 12.º lugar da Liga inglesa. São 15 os pontos de distância para o líder Liverpool – o título inglês é uma utopia – e são apenas dois os pontos de vantagem para a zona de descida.
Formular, na mesma frase, uma ideia a envolver o Manchester United e uma descida de divisão é algo que nem os mais fervorosos e irracionais fãs dos rivais Liverpool ou Manchester City seriam capazes de fazer no início da temporada. Não sendo crível que este cenário se concretize — o United tem, pelo menos a nível individual, poderio suficiente para escapar a esse escândalo —, o facto é que o nível da equipa, em 2019-20, pouco mais é do que o de uma equipa de fim da tabela.
Ao United falta, desde logo, capacidade de criar jogo. A dependência das individualidades resulta, quase sempre, em equipas previsíveis e pouco capazes de gerar oportunidades de golo: nos “red devils” não existem golos, nem existem, sequer, oportunidades para lá chegar. O guarda-redes David de Gea tem noção disso. “Este jogo não é aceitável. A temporada não é aceitável”, constatou, anteontem, à Sky Sports. E acrescentou: “Nem criamos oportunidades de golo. Não sei o que dizer, mas temos de melhorar”.
Há, depois, a problemática das lesões. No início desta aventura, Solskjaer tinha um 4x3x3 com Matic e Herrera a darem cobertura a Pogba para criar e servir as “motas” Martial, Lingard e Rashford. Ainda sobravam opções como Alexis, Mata e Lukaku. No último jogo, teve McTominay, Andreas Pereira e Fred para servirem Daniel James, Mata e Rashford. Sobraram opções como Greenwood, Chong e Angel Gomes. Elucidativo.
Solskjaer fala também da falta de um avançado, reconhecendo que não substituiu eficazmente Romelu Lukaku. Anunciou, ainda, que quer “colocar em ordem as cabeças dos jogadores”, abordando a juventude do plantel como um entrave. E apontou a pausa para as selecções como momento importante para avaliar e melhorar, porque trabalhar com juventude requer tempo e traz “dores” imediatas, para ganhos a longo prazo. Discurso vazio, dizem uns, tranquilidade e ponderação úteis, argumentam outros.
Para Roy Keane, histórico jogador do clube, a explicação é diferente: o balneário é um problema para o norueguês, que não vai sobreviver ao ambiente tóxico. “Foram estes jogadores que atiraram Mourinho para debaixo do autocarro. E vão fazer o mesmo a Ole [Solskjaer]”.
Uma ideia de jogo pouco clara, lesões, juventude, falta de um avançado que marque a diferença e balneário difícil. Cinco explicações diferentes, todas aparentemente lógicas. Juntas, farão o “cocktail” de um descalabro do United que pode não ficar por aqui. A 20 de Outubro, no regresso dos campeonatos, vai defrontar o Liverpool. Um jogo frente ao líder numa fase em que já se apontam Allegri, Blanc, Rodgers, Wenger, Ten Hag ou Southgate à sucessão de Solskjaer. A combinação das duas coisas parece não trazer nada de bom.
Se não estiver no banco frente ao Liverpool, é porque foi despedido. Se estiver — e nada se alterar no United —, testará o limite da tolerância da direcção. Solskjaer parece estar em dois estados profissionais, vivo e morto, como o famoso gato de Schrödinger.