Reflexão eleitoral

O futuro passa por desburocratizar, descomplicar, flexibilizar e ir ao encontro dos novos tipos de vida que todos nós temos e que é muito mais móvel e menos padronizável do que no passado.

No passado domingo, por razões pessoais, fui votar antecipadamente, depois de me ter inscrito através da Internet em menos de dois minutos e de ter recebido, quer por sms, quer por email, diversos comprovativos e notificações a certificar o dia e local.

Quando cheguei à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, fui imediatamente abordado por duas pessoas que me perguntaram se precisava de ajuda, tendo uma delas logo confirmado a mesa de voto à qual tinha de me dirigir, o que fiz, tendo-me despachado em muito pouco tempo.

Ao dirigir-me para a mesa de voto e quando dela regressava, pude aperceber-me de muita gente que exercia o seu poder-dever cívico de forma empenhada. O ambiente parecia, aliás, até um pouco festivo, com uma certa emoção própria de acontecimentos importantes. Porque é de um acontecimento importante que se trata. Bem sabendo que o voto antecipado foi ensaiado nas europeias, o peso das legislativas é outro e as conclusões a retirar daqui são mais significativas para futuro.

Futuro esse que passa, creio, por desburocratizar, descomplicar, flexibilizar e ir ao encontro dos novos tipos de vida que todos nós temos e que é muito mais móvel e menos padronizável do que no passado. Não me espanta, pois, que, num tempo não assim tão distante, as eleições se dividam em vários actos, exercitáveis de diversas formas, seja presencial ou informaticamente, seja por qualquer outro meio tecnologicamente admissível.

É verdade que existem preocupações necessárias quanto à forma, para salvaguardar a legitimidade do voto e, consequentemente, os resultados eleitorais, mas julgo que não devemos ficar reféns de formalismos espúrios que apenas afastam os cidadãos em vez de os convocarem à participação. Permitir o voto fora da zona de residência ou do próprio país, antecipar o acto eleitoral, desenvolver o voto electrónico que permita às pessoas votarem sem saírem de casa ou do hospital, são formas de melhorar a democracia porque esta faz-se de actos concretos de todos nós e não apenas de discursos políticos na AR em dias de celebração. Tem custos, mas eu prefiro que os meus impostos sejam utilizados na melhoria dos mecanismos de defesa da própria democracia do que em muitas das coisas que (não) vejo acontecer.

E, por falar em formalismos, vinha eu da mesa de voto a pensar que durante esta semana farei parte de algumas dezenas de milhares de pessoas que votaram antecipadamente e para quem o dia de reflexão de nada vai valer. Ora, a minha dúvida é se a perpetuação de um manifesto anacronismo faz algum sentido numa sociedade como a nossa em que proliferam meios de comunicação, bem como informação e contra-informação a todas as horas e minutos, que, como é evidente, não respeitam o dia anterior às eleições. Dirão que se trata de um dia de descontaminação necessário à correcta formação da vontade. Mas, se assim é, o Estado não está a ser contraditório com a autorização do voto antecipado? Ou julgará que quem assim votou não o fez de forma suficientemente esclarecida?

Não faz sentido. Haja coragem e desmistifique-se de vez esta questão, passando o Estado a tratar-nos a nós, cidadãos, como adultos esclarecidos que somos.

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