As mil vozes de Keiji Haino num regresso a Serralves pronto para o ruído
O músico japonês, pioneiro do noise, volta ao auditório da fundação 13 anos depois de um memorável concerto para desafiar as potencialidades da voz. Desta vez, deixa a guitarra em casa.
Da guitarra do japonês Keiji Haino parte-se com bilhete de ida para uma viagem noise sem destino e sem regresso definido. É a experimentar paisagens sonoras, seguindo atalhos ao sabor do improviso e a reboque da vontade do som, que vai explorando território virgem, sem fronteiras, feito de ruído. Usa frequentemente a sua Gibson SG como bússola para se guiar. Na maior parte das vezes perde-se e ainda bem que assim é.
A versão Keiji-guitarrista é apenas uma das facetas do músico japonês, talvez a mais conhecida, mas o artista desdobra-se em múltiplas personalidades musicais. É noutra dimensão que esta quinta-feira volta ao Auditório de Serralves, 13 anos após a última visita, e cinco após a sua passagem pelo Jazz em Agosto. Neste regresso, será a voz a ganhar lugar de destaque para que, apoiado na electrónica, Keiji Haino parta para um solo igualmente sem amarras.
Desta vez, deixa em casa a sua SG vermelha – que se tornou imagem de marca, assim como os óculos escuros e o longo cabelo branco. Afinal de contas, este pioneiro do noise hoje com 67 anos prefere assumir-se como vocalista, ainda que a guitarra – aprendeu a tocá-la sozinho ao mesmo tempo que se aventurava na bateria – seja protagonista em grande parte das suas performances. Serviu-se dela em colaborações com músicos que não podem negar ter ido beber ao trabalho do japonês para as suas composições. Que o digam os Boris, Merzbow, Stephen O'Malley dos Sunn O))) e Jim O'Rourke, que entre 1999 e 2005 andou com os Sonic Youth na estrada, ou Mick Harris, baterista que gravou os dois primeiros álbuns dos Napalm Death (Scum e From Enslavement to Obliteration), ainda na década de 1980. O que seria do grindcore e dos Napalm Death sem artistas como Haino? Com o baterista britânico, participou nos PainKiller, banda que inicialmente partilhava com John Zorn e Bill Laswell.
Dos músicos seus contemporâneos, trabalhou com o saxofonista Peter Brötzmann e com o já referido John Zorn, com os krautrockers alemães Faust ou com o guitarrista Makoto Kawabata, dos Acid Mothers Temple. No total, a solo e com as suas bandas (Fushitsusha, Nijiumu, Aihiyo, Sanhedrin, Seijaku, Nazoranai ou The Hardy Rocks), soma mais de 170 álbuns.
Será talvez por ter sido influenciado pelo actor, dramaturgo e poeta francês Antonin Artaud (1896-1948) – antes de tropeçar nos Doors, que o desviaram para uma carreira musical – que usa também a voz como veículo para a experimentação. Neste registo que traz agora a Serralves, explora as potencialidades desse instrumento, seja de forma dramática ou numa vertente mais livre.
O programador de música de Serralves, Pedro Rocha, recorda ao PÚBLICO a primeira passagem de Keiji Haino pelo auditório do museu, em 2006. Num concerto dividido em duas partes, o artista apresentou dois solos de guitarra: na primeira metade, num registo “mais black blues” e mais contemplativo, desenhou de improviso, por encomenda da fundação, a banda-sonora para a curta-metragem At Land (1944), de Maya Deren; na segunda parte foi “o oposto”, tendo investido numa “explosão noise” de guitarra e electrónica.
Treze anos depois, o prodigioso japonês volta para desafiar as potencialidades das cordas vocais e da electrónica. O efeito surpresa está garantido, diz Pedro Rocha: “Nunca se sabe o que esperar das suas actuações.”