Proposta de Johnson é “defeituosa” e “impraticável” mas não é isso que vai impedir a UE de negociar

O tom de ultimato do primeiro-ministro britânico não foi bem recebido em Bruxelas.

Foto
Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia FRANCOIS LENOIR/Reuters

Oficialmente, a União Europeia está 100% disponível para “avaliar, objectiva e construtivamente” a proposta avançada pelo primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, para uma solução alternativa à cláusula de salvaguarda (ou backstop) inscrita no acordo de saída para impedir o retorno das fronteiras à ilha da Irlanda. 

Depois de falar com Boris Johnson ao telefone, o “presidente Juncker saudou a determinação do primeiro-ministro do Reino Unido em fazer avançar as negociações antes do Conselho Europeu de Outubro e alcançar progressos com vista à assinatura de um acordo”, informou a porta-voz da Comissão Europeia. “É um desenvolvimento muito positivo, embora persistam alguns pontos problemáticos que sem dúvida serão trabalhados nos próximos dias”, acrescentou.

Mas informalmente, a avaliação ao plano oferecido pelo líder britânico já está feita, e está longe de ser entusiástica. A linguagem utilizada pelo primeiro-ministro na sua apresentação — e a postura de desafio e confronto nela subentendida — não caiu nada bem junto dos parceiros europeus. Ao insinuar que a sua “oferta” é inegociável, e emitir um ultimato avisando a UE que tem de decidir se quer “pegar ou largar” esta oportunidade, Boris Johnson poderá ter queimado a boa-vontade dos europeus em discutir as propostas que, após uma primeira leitura, foram logo rejeitadas como “defeituosas” e “impraticáveis”.

“Não tenham a mínima dúvida que a alternativa [a este plano] é o no-deal”, ameaçou o primeiro-ministro britânico, fazendo subir a pressão sobre a resposta da UE. Mas os líderes europeus tudo farão para negar a Johnson o argumento de que mais precisa para o seu combate político doméstico: o de que uma saída do Reino Unido sem acordo será precipitada pela intransigência europeia. Aliás, para garantir que tal não acontece, os europeus esqueceram o seu anterior mantra, de que não haveria lugar à renegociação do tratado jurídico do “Brexit” — do qual faz parte o protocolo para a Irlanda.

“A União Europeia está disponível 24 horas por dia. Nunca deixaremos de trabalhar para fechar um acordo”, insistiu a porta-voz da Comissão Europeia, acrescentando que “qualquer acordo deve ser um bom acordo” quando questionada se o “não acordo” seria preferível a um “mau acordo”.

Com apenas uma semana para digerir todas as implicações do plano britânico antes da crucial cimeira europeia de 17 e 18 de Outubro, os europeus consideram praticamente inevitável um novo adiamento do prazo do “Brexit”, para a extensão das discussões com vista a uma saída ordenada. Os 27 mantêm a posição de que essa negociação não será conduzida no Conselho Europeu — as equipas técnicas têm reunido todos os dias, numa derradeira tentativa de harmonizar as posições e encontrar uma solução que permita ultrapassar o impasse colocado pelo “problema” irlandês, mas do ponto de vista “operacional” o tempo é curto.

Bruxelas tem repetido que esse compromisso não pode pôr em causa os três princípios que justificaram a inclusão do backstop no acordo de saída original, e que são, simultaneamente, as três pré-condições para a sua revisão na sequência dos três votos negativos em Westminster: a preservação do mercado interno europeu, a cooperação Norte/Sul e a garantia de manutenção da chamada “all island economy”, isto é, um comércio sem fricções entre a República da Irlanda e a Irlanda no Norte. “São precisas soluções jurídicas que sejam operacionais”, lembrou Jean-Claude Juncker.

Mas apesar da extensão do prazo do “Brexit” (na falta de um acordo) ter passado a ser uma obrigação legal depois da aprovação da Lei Benn no Parlamento de Londres (que impede uma saída sem acordo), existe um certo nervosismo em Bruxelas com a hipótese de Boris Johnson lançar o caos na cimeira, recusando-se a solicitar o adiamento da saída. “A UE quer um acordo, e continua hoje tão disponível para o assinar como nos últimos três anos”, lembrou o presidente da Comissão ao seu interlocutor britânico.

Sugerir correcção
Ler 29 comentários