“Os engenheiros precisam de formação além das áreas técnicas”

James Garrett, provost da Universidade de Carnegie Mellon, defende que os estudantes devem ter “uma melhor compreensão das questões éticas e sociais”.

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Nuno Ferreira Santos

Carnegie Mellon é uma universidade americana conhecida pelo ensino na área da tecnologia. Mas tem também uma longa tradição nas artes e humanidades, e conta com Andy Warhol no rol de antigos alunos. James Garrett é o provost da universidade, um cargo de topo em que é responsável pela gestão da instituição. Engenheiro civil de formação, Garret argumenta que é preciso que os cursos tecnológicos não descurem a componente ética, numa altura em que as tecnologias de informação estão a dar azo a uma quarta revolução industrial. “Há vantagens em perceber o que é tecnologicamente possível e o que podem ser as implicações na sociedade e quais os diferentes caminhos que se podem seguir”, disse numa conversa com o PÚBLICO. Esteve em Lisboa a propósito do programa Carnegie Mellon Portugal, uma parceria de longa data entre a universidade americana e várias universidades portuguesas.

A Carnegie Mellon é conhecida pelos cursos relacionados com engenharia e tecnologia mas tem também faculdades de artes e humanidades. Como alguém que vem das engenharias, de que forma gere esta dualidade?
O que vemos cada vez mais é que as nossas faculdades de humanidades e ciências sociais estão a ter o maior crescimento em candidaturas. Temos uma grande cultura interdisciplinar. Os nossos estudantes podem tirar cursos de humanidades, mas também podem ter disciplinas técnicas. Na nossa faculdade de humanidades, estão os departamentos de estatística, de psicologia e de sistemas de informação. Desde 1949 que os nossos estudantes de engenharia têm muitas cadeiras de humanidades e ciências sociais como parte obrigatória dos currículos. 

Porquê?
Acreditamos desde sempre que os engenheiros precisam de formação além das áreas técnicas. Precisamos que os nossos estudantes que estão orientados para questões tecnológicas tenham uma melhor compreensão das questões éticas e sociais. As ciências da computação incorporaram a ética como uma componente dos currículos. Nas engenharias, temos isso desde que me lembro. Quando se está a criar tecnologias, os engenheiros dizem sempre que a prioridade é a segurança das pessoas. É importante considerar os impactos sociais destas tecnologias.

A tecnologia tem trazido muitos problemas. Debate-se muito o poder das grandes empresas tecnológicas. Acha que poderíamos estar numa situação diferente se tivesse havido mais preocupação das universidades com questões éticas?
Estamos a atravessar um período de mudança provocado por avanços tecnológicos. Às vezes esquecemo-nos da História: já tivemos estes períodos de mudança. O que se está a passar chama-se a quarta revolução industrial. Com estas mudanças vêm oportunidades para avanços na medicina, nas telecomunicações, na mobilidade. Isto traz disrupções. O desafio é que a velocidade a que isto está a acontecer é hoje maior. Acredito que o foco em tecnologia e sociedade, que é um grande foco da Carnegie Mellon, traz vantagens. Há vantagens em perceber o que é tecnologicamente possível e o que podem ser as implicações na sociedade e quais os diferentes caminhos que se podem seguir para aumentar o impacto positivo. 

A reputação das empresas de tecnologia tem vindo a deteriorar-se nos últimos anos. Isso tem impacto numa instituição conhecida pela investigação e ensino em áreas tecnológicas?
Não notamos desinteresse nos nossos cursos de ciências da computação e engenharias. O número de candidaturas é robusto. O que vemos é os alunos em toda a universidade muito interessados em assuntos que são por natureza globais e mais sociais. A sustentabilidade é uma área em que vamos ter iniciativas.

Como é que se motiva um estudante nas áreas de tecnologia a terminar o curso quando pessoas como Mark Zuckerberg ou Bill Gates desistiram da faculdade?
Nós glorificamos aqueles que passaram por um processo que é muito duro. Mas olhemos para o filtro que é criar uma empresa e torná-la um sucesso. Há legiões de pessoas que não têm a mesma história para contar que essas duas pessoas que mencionou. Aquilo que tentamos dizer aos nossos estudantes é que este será um período excepcional para desenvolverem as suas competências: pensamento crítico, trabalho em equipa, respeito pela interdisciplinaridade, importância da diversidade de pensamento e de perspectivas.

Tem uma carreira de décadas em engenharia civil, que é uma área tradicionalmente masculina. Houve mudanças nos últimos anos?
Sempre tive orgulho em que a engenharia civil na Carnegie Mellon fosse um dos primeiros cursos a ter mais de 50% de mulheres. Vários outros departamentos – engenharia dos materiais, engenharia do ambiente – ultrapassaram a fasquia dos 50% de mulheres algures na última década.

Mas esta não é só uma questão de números. É também uma questão do contexto em que as pessoas interagem.
Há um fenómeno interessante: quando se ultrapassa cerca de 30%, a dinâmica muda. As mulheres sentem-se menos isoladas. Sentem-se mais à vontade para participar plenamente nas aulas. Tendem a assumir mais cargos de liderança.

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