“A abertura da Arábia Saudita aos turistas internacionais é um momento histórico para o nosso país”. A frase do responsável pela Comissão Saudita para o Turismo e Património Nacional, Ahmed al-Khateeb, resume o significado do plano anunciado pelo país para a aposta no turismo como forma de diversificar as receitas para além do petróleo, apenas duas semanas passadas sobre o ataque a infra-estruturas petrolíferas sauditas e num clima de alta tensão com o Irão.
Até agora, o reino, muito fechado e pautado por um regime ultra-ortodoxo (com algumas aberturas recentes) na aplicação da lei islâmica, particularmente duro e restritivo para as mulheres e letal para a comunidade gay, quase só emitia vistos de visitas em trabalho ou a peregrinos (particularmente pela peregrinação a Meca) e, desde o ano passado, para eventos desportivos ou culturais.
“A Arábia Saudita abre as suas portas e o seu coração ao mundo” foi o slogan do evento, transmitido em directo no YouTube para todo o mundo, em que o novo plano foi anunciado, na sexta-feira, incluindo a emissão online de vistos turísticos a cidadãos de 49 países, nomeadamente Portugal (outros países têm de solicitar o visto através de embaixadas e consulados).
A disponibilização de vistos turísticos faz parte do plano Visão 2030, criado sob a égide do príncipe regente Mohammed bin Salman e que tem por objectivo preparar o país, diversificando a economia, para a era pós-petróleo. Promete-se acesso a locais Património da Humanidade, mega-projectos turísticos e toda uma cultura preparada para acolher o turista (até com a formação de 300 mil cidadãos). O país quer atingir os 100 milhões de turistas em 2030, passando a sua contribuição de 3 para 10% do PIB.
"Os visitantes ficarão surpreendidos com os tesouros que temos para partilhar – cinco sítios classificados como Património Mundial pela Unesco, uma cultura local vibrante e uma beleza natural de tirar o fôlego”, acrescentava o responsável pelo turismo no país, Ahmed al-Khateeb.
Os vistos anunciados, que poderão ser emitidos em sete minutos, custarão cerca de 107 euros, com seguro de saúde e permitindo estadias com a duração de um e três meses. Nas regras, indica-se: “a religião do requerente não é relevante”.
No novíssimo site de promoção turística (interligado com as igualmente novíssimas presenças nas redes sociais) dão-se as habituais explicações para visitantes — como para qualquer destino turístico — e destacam-se a “lei e etiqueta”. As mulheres turistas não terão de obedecer aos tradicionais códigos de vestuário locais (nem usar a abaya que cobre as partes proibidas de exposição pública).
Pode ler-se que "tanto a homens como a mulheres se pede que se vistam modestamente em público, evitando roupas justas, com linguagem profana ou imagens. As mulheres devem cobrir ombros e joelhos em público”. As páginas são ilustradas com imagens de turistas, várias delas com mulheres turistas, com vestuário que obedece a estas regras.
Entre as informações, refere-se ainda que “demonstrações públicas de afecto não são consistentes com a cultura local e os visitantes devem evitar usar linguagem ou gestos profanos”. “A venda, compra e consumo de álcool é ilegal na Arábia Saudita. É ilegal trazer álcool ou drogas para o país”, sublinha-se.
O site tem serviço de reservas e vêm já acessos a voos, hotéis, restaurantes e rent-a-car. Um guia por regiões e temas resume o que o país tem para oferecer – continuando a haver algumas limitações: embora Meca venha naturalmente destacada, a cidade, sublinha-se, “é só acessível a muçulmanos”.
Para reforçar o bom comportamento dos visitantes, em simultâneo com a abertura ao turismo, o país anunciou uma lista de novas multas para 19 proibições e ofensas ao decoro, que poderão ir de cerca de 12 a 1460 euros, noticia a Reuters: incluem-se aqui tanto coimas para falhas no vestuário e demonstrações físicas de afecto, como tirar fotografias ou filmar pessoas sem a sua permissão, deitar lixo ao chão, cuspir, tocar música nos períodos das orações ou não respeitar filas.
O plano, além de surgir em pleno embate com o Irão, é lançado, lembra o The Guardian, uma semana antes da estreia de um documentário da PBS norte-americana onde Mohammed bin Salman admite a responsabilidade do país no homicídio do jornalista Jamal Khashoggi, há um ano, porque, diz, “aconteceu sob a minha supervisão”.