Parem de reciclar, já!

Se o mercado respondesse às necessidades das pessoas, não haveria fome no mundo. Dizem-nos que temos de tomar duches mais curtos, devemos usar lâmpadas LED, devemos reciclar. É já clássica a interrogação: “Ainda usas palhinhas?”

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LUSA/CIRO FUSCO

O cérebro humano evoluiu para gastar a menor quantidade de energia possível, daí a origem dos deuses primitivos: “Um relâmpago? Foi Zeus, está claro.”

Deparamo-nos com uma crise climática e ecológica, potenciadora de cheias, fogos florestais, fenómenos meteorológicos extremos, ruptura de colheitas. Cada vez mais a sociedade colapsa, e cada vez mais nos voltamos para “soluções” pessoais.

Deixo aqui claro, de uma vez por todas: limpeza urbana não é activismo.

Chamo-lhe o “síndrome do plástico”, ou clickactivismo: a ideia de que limpar praias, abominar palhinhas ou assinar petições online ajuda a resolver a crise climática. É, no fundo, a inacção mascarada e desculpada no que toca à sobrevivência das próximas gerações. Um desespero de quem quer, mais do que tudo, sentir-se confortável. 

Porém, esta síndrome tem origem em mais do que os suplícios do nosso ego. Parte do problema vem da cultura do consumismo: fomos ensinados que actos de consumo pessoal contam como resistência política organizada, o que, com base em todas as revoluções que alguma vez aconteceram, simplesmente não é verdade. 

Se o mercado respondesse às necessidades das pessoas, não haveria fome no mundo. Dizem-nos que temos de tomar duches mais curtos, devemos usar lâmpadas LED, devemos reciclar. É já clássica a interrogação: “Ainda usas palhinhas?”

Com estas perguntas sentimo-nos bem, ao dar uma palmadinha nas costas do ego, quando mais de 90% da água usada por humanos, mais de 75% da energia consumida e 97% do lixo do mundo provém de empresas que tomam decisões a favor do lucro — e não do nosso futuro.

É uma ideologia destrutiva no seu mais puro, que transforma algo global, com origem nas empresas e na falta de compromisso político, num mini-dever social. Sejamos honestos connosco perante os factos: é mito que o mundo está a ficar sem recursos, estes estão simplesmente a ser roubados.

Não é por isso que quero que as pessoas parem de reciclar ou de ter vidas de baixo impacto ambiental; pelo contrário, não subestimemos o efeito em rede da propagação de ideias que são necessárias, especialmente se queremos uma sociedade futura sustentável.

Contudo, não se iludam: mudança pessoal não equivale a mudança social e não existe “desenvolvimento” sustentável. Eleições, petições e acções não confrontativas traduziram-se em inacção governamental, nas melhores das situações, e vontade de acelerar a catástrofe, na maioria destas. Isto simplesmente não serve. Neste momento, estamos num acordo do estilo “pegar ou largar” com o planeta Terra. Ou agimos já ou não teremos mais hipóteses. Nada é garantido, e tudo está em causa.

Com isto em conta, mais vale parar de reciclar se temos o bom senso de protestar sempre que podemos, se fazemos diversas acções directas, e se, tal como Martin Luther King, Rosa Parks, ou Gandhi, estivermos na vanguarda da rebelião, não navegando os sistemas que nos trouxeram ao colapso com respeito, mas confrontando-os em manifestações gigantescas e acções de desobediência civil em massa. Isto, sim, passa a mensagem poderosa de que o futuro da humanidade tem destino na tua vontade!

A alternativa à vitória do movimento ambientalista é toda a gente perder. O activismo parece perigoso porque é desconfortável, mas, garanto-vos, nada é mais perigoso do que o fim da nossa civilização. Precisamos de todos e todas para apagar o fogo que está a destruir a nossa casa neste preciso momento, por isso ergue-te, e hoje, 27 de Setembro, dá voz ao teu planeta, faz greve pelo clima.

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