“Na Europa de hoje, o multilinguismo é mais importante do que nunca”
Nick Saville é linguista e investigador na área da avaliação na Cambridge Assessment English e está em Portugal no âmbito das celebrações do Dia Europeu das Línguas que se celebra esta quinta-feira.
Foi há 20 anos que nasceu o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (QECRL), mais conhecido por Europass, e o catedrático britânico Nick Saville esteve, entre outros, na génese da sua criação. O especialista em avaliação da Universidade de Cambridge celebra o Dia Europeu das Línguas, esta quinta-feira, no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, onde vai falar sobre o papel das línguas na internacionalização do ensino superior, num encontro promovido pelo Centro de Avaliação de Português Língua Estrangeira (CAPLE), responsável pelos certificados de português em todo o mundo.
O director da Divisão de Investigação na Cambridge Assessment English – o departamento sem fins lucrativos da Universidade de Cambridge, responsável pelos exames de inglês a nível internacional) – e secretário-geral da Associação Europeia de Avaliação de Línguas (ALTE, na sigla inglesa) defende que “ainda há muito a fazer” no que à aprendizagem das línguas diz respeito e que o multilinguismo é fulcral para comunicarmos e compreendermos o mundo em que vivemos.
Preocupado, enquanto dirigente da ALTE, com a qualidade e equidade dos exames, “independentemente do idioma que está a ser testado”, Nick Saville elogia quem é plurilingue, mas incentiva a que se aprenda efectivamente até porque é “bom, em termos cognitivos, para o cérebro”. A enrevista ao PÚBLICO começou em Cambridge, durante um encontro sobre educação, há uma semana, e terminou via e-mail.
Qual a importância do multilinguismo 20 anos depois da criação do QECRL?
Percorremos um longo caminho, mas ainda há muito a fazer. Assistimos a um enorme crescimento do estudo do inglês, mas mesmo em países como Portugal, onde o inglês é profusamente ensinado, ainda há uma grande percentagem de alunos que saem da escola sem um domínio efectivo da língua. Contudo, o que me preocupa realmente é a ideia de que o inglês é suficiente. Para obtermos os reais benefícios pessoais e económicos do multilinguismo, precisamos pensar em dois ou mais idiomas, além do idioma de origem.
Na Europa de hoje, o multilinguismo é mais importante do que nunca, se pensarmos no aumento da migração dentro e fora da Europa, bem como na relativa facilidade com que viajamos, nas oportunidades de negócio.
Obviamente, os falantes de português têm uma enorme vantagem, porque o seu idioma é global e uma língua franca em algumas regiões. O castelhano também é muito acessível para os falantes de português, assim como outras línguas latinas, e as crianças devem ser incentivadas a aproveitar essas semelhanças para desenvolver capacidades linguísticas. Aliás, não apenas as crianças, mas também os adultos, ao longo da vida.
Quais foram os principais obstáculos na implementação do QECRL?
Essa é uma pergunta difícil, pois não é possível implementar a totalidade do QECRL. O primeiro passo foi consciencializar as pessoas para aceitarem os potenciais usos dos idiomas para uma diversidade de propósitos. Mas leva tempo e é preciso coragem, por exemplo, para nos afastarmos de um modelo de aprendizagem tradicional (aprender gramática e vocabulário) e incorporar os princípios comunicativos dos idiomas nos currículos.
O QECRL é uma excelente ferramenta de aprendizagem, ensino e avaliação, no entanto, as pessoas tendem a reduzi-lo aos níveis A1, A2, B1 etc. Estes são, indubitavelmente, úteis para facilitar um entendimento comum da capacidade linguística de alguém, mas é a abordagem plurilíngue, orientada para a acção, que é a jóia da coroa do QECRL: o foco na comunicação no dia-a-dia.
Quando o inglês parece ser a língua franca, quão importante é aprender outros idiomas?
Se falarmos apenas a nível económico, é essencial saber mais. Precisamos de saber a língua, a cultura e os costumes, de modo a que o outro possa confiar em nós. Com o número crescente de pessoas que estudam e trabalham no estrangeiro é essencial conhecer o idioma do país anfitrião. Claro que hoje, em muitas multinacionais se fala inglês, mas se quem trabalha fora não aprender a língua do país em que vive, as suas experiências serão muito empobrecidas. Aprender uma língua não tem apenas esta utilidade, mas ajuda a melhorar as perspectivas de carreira, em geral, além de ser bom, em termos cognitivos, para o cérebro.
Vivemos num mundo multilingue?
Claro que sim. Não há um único idioma no mundo e, felizmente, nunca haverá! A maioria da população mundial fala mais de uma língua, normalmente desde a infância. O problema surge quando queremos comunicar com pessoas que sabem apenas uma língua, as suas interacções e experiências são limitadas e superficiais.
Quantas línguas devemos saber?
A questão não é quantas, mas a atitude. Se estivermos disponíveis para adquirir um conhecimento básico dos idiomas dos lugares que visitamos, ou das pessoas de uma determinada comunidade, então devemos considerar-nos plurilingues. Ou seja, não se trata de ser um falante fluente de muitos idiomas, mas de irmos, de estarmos abertos a diferentes formas de comunicação e a diferentes formas de experimentarmos o mundo.
Se eu leio e compreendo castelhano, francês e alemão, mas não sei escrever em nenhum desses idiomas posso considerar-me multilingue?
Certamente que já reparou que estou a usar a palavra “plurilingue”, em vez de “multilingue” para, precisamente, descrever uma pessoa que tem a capacidade de usar várias línguas. Portanto, no caso que enuncia, trata-se de uma pessoa plurilingue.
Os padrões são úteis – é por isso que o QECRL define os níveis de referência, para que se tenha um entendimento comum do tipo de perfil de capacidades linguísticas de cada um. Portanto, mesmo que alguém tenha um nível pré-A1 de alguns idiomas, essa pessoa é multilíngue porque, como disse anteriormente, o que conta é a atitude. Conhecer o seu nível actual de um idioma pode ser muito útil para definir metas de aprendizagem e para entender o que precisa fazer para melhorar.
O PÚBLICO esteve em Cambridge a convite da Cambridge Assessment English