Populismo ou a “grunhificação” do bom democrata

Sim, nós, políticos responsáveis e democratas, temos a obrigação de nos “grunhificarmos” durante as eleições propositadamente, de modo a canalizar os grunhos a votarem em alguém que se faz passar por um deles.

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Nuno Ferreira Santos

Ontem fui apresentar o livro o Manual do Bom Fascista, da autoria do líder populista Dr. Rui Zink. Por coincidência, cruzámo-nos com o Dr. André Ventura e um pequeno ajuntamento de militantes do CHEGA a fazer campanha. Como podem ver no vídeo, abordei-o educadamente e discuti algumas ideias. Entre outras coisas, disse-me que o objectivo dele é pôr os ciganos a trabalhar. Pode dizer-se que há poucos políticos tão pró-trabalho como eu, mas creio que eu e o Dr. André Ventura temos conceitos diferentes de trabalho. O “trabalho” árduo dele é ser comentador na CMTV. Eu preferiria que ele estivesse a fazer o que faz na CMTV num tasco, em vez de o estar a fazer num meio em que a opinião dele chega a milhões de pessoas e faz com que tenha a ilusão de que as pessoas o podem eleger para cargos. Era melhor para todos.

Será que a solução dele para pôr ciganos a trabalhar é contratá-los todos para comentar na CMTV? Eu veria esse canal, mas não me parece que o Dr. André Ventura queira cruzar-se com ciganos nos corredores ou competir com eles sobre quem tem a melhor banalidade para dizer acerca do comportamento da Dra. Rosa Grilo na prisão. O que quer ele dizer quando afirma que tem como objectivo fazer com que as pessoas trabalhem? Campos de trabalhos forçados? Nem o Dr. André Ventura sabe. E o populismo é isso. São pessoas que propõem soluções simplistas ou erradas para questões complexas, como o desemprego, ou problemas inventados, como, alegadamente, as alterações climáticas.

Portugal tem estado imune à ameaça populista. Em grande parte por causa da falta de carisma e incompetência dos seus “líderes” populistas. Por exemplo, ontem, quando questionado pelo meu estagiário, o Dr. André Ventura disse que não sabia quem era o Dr. Salazar. Alguém lhe devia explicar quem foi o Dr. Salazar. Ele era capaz de gostar de o conhecer. No entanto, não estamos imunes a essa ameaça do populismo. Há muitos políticos, à esquerda e à direita, a fazer análises simplistas de problemas complexos e a responsabilizar minorias pelos mesmos, sendo essas minorias ciganos, muçulmanos ou banqueiros.

A melhor forma de nos protegermos do populismo é abraçá-lo. Não é tornarmo-nos populistas, claro. Mas, sim, fazermos de conta que somos populistas por um bem maior. Sim, nós, políticos responsáveis e democratas, temos a obrigação de nos “grunhificarmos” durante as eleições propositadamente, de modo a canalizar os grunhos a votarem em alguém que se faz passar por um deles. É melhor ser um democrata “grunhificado” a liderar grunhos do que um líder mesmo grunho a liderar grunhos. Seria preferível um Dr. Hitler que fingisse que pretendia perseguir judeus para ganhar eleições e depois governar responsavelmente, do que o Dr. Hitler que existiu mesmo.

Devemos saber quem são os grunhos que nos rodeiam de maneira que nós próprios nos tornemos grunhos, sempre que for necessário liderar grunhos, uma espécie de Dr. Flautista de Hamelin de fascistas. O Dr. Passos Coelho tentou usar esta estratégia ao apoiar o Dr. André Ventura à Câmara de Loures. A ideia dele era manter o Dr. André Ventura do lado da democracia, fazendo com que o PSD pudesse beneficiar dos votos horríveis das pessoas que iam votar nele pelas declarações que fez sobre ciganos. Porque um voto horrível vale tanto como um voto de uma pessoa normal. O Dr. Passos Coelho não teve culpa de o Dr. André Ventura ter decidido lançar-se a solo depois do retumbante sucesso que teve nessas eleições, com um estrondoso terceiro lugar e um mandato de vereador. É normal. Qualquer pessoa que consiga ser eleito vereador na Câmara de Loures merece aspirar a voos maiores como acabar com o cargo de primeiro-ministro ou, como ele me disse no nosso encontro, acabar com a separação de poderes e estado de direito e colocar o Dr. Ricardo Salgado na prisão.

A esquerda democrata também tem de abraçar os seus próprios grunhos e o Dr. António Costa fez um pouco isso com a “geringonça”, conseguindo, por exemplo, colocar o Bloco de Esquerda a aprovar Orçamentos de Estado e a assumir-se como um partido social democrata. Mas, da mesma forma que temos de ter cuidado com os populistas que acham que a solução para a questão da imigração é fingir que não estão pessoas a morrer no Mediterrâneo, temos de ter cuidado com o populismo de esquerda que nos quer salvar das alterações climáticas, implementando planos socialistas que investem dinheiro público na nossa sobrevivência sem sequer fazerem um cálculo sobre se a sobrevivência da Humanidade é um bom investimento. Eu não sei se as alterações climáticas têm solução, mas, se tiverem, essa solução tem de ser encontrada dentro do capitalismo e sem aumentar o défice. Prefiro que a Humanidade dure mais 20 anos, com capitalismo, do que dure para sempre num regime socialista. A extinção é um mal menor do que uma eternidade no socialismo.

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