Denunciante acusou a Casa Branca de encobrir abuso de poder de Trump
A queixa foi desclassificada esta quinta-feira e enviada ao Congresso. O denunciante diz que o círculo próximo do Presidente dos EUA sabia que poderia ter havido abuso de poder e fez esforços para “fechar a sete chaves todos os registos do telefonema”.
O círculo próximo do Presidente dos Estados Unidos sabia que Donald Trump poderia ter abusado da sua autoridade na conversa telefónica com o chefe de Estado ucraniano, Volodimir Zelensky, e fez esforços para “'fechar a sete chaves’ todos os registos do telefonema, especialmente a transcrição palavra por palavra. A queixa do denunciante foi desclassificada esta quinta-feira e entregue ao Congresso, e trouxe uma nova luz ao escândalo que tem abalado a política norte-americana.
“Nos dias que se seguiram à conversa por telefone, soube por vários responsáveis norte-americanos que elementos seniores da Casa Branca intervieram para ‘fechar a sete chaves’ todos os registos da conversa, especialmente os documentos da transcrição produzido palavra a palavra”, que é diferente do resumo divulgado na quarta-feira, lê-se na queixa. “Estas acções dão-me a entender que os responsáveis da Casa Branca compreenderam a gravidade do que transparece na chamada.”
Em causa está um telefonema, a 25 de Julho, entre Trump e Zelensky em que o primeiro pressiona o segundo a ordenar uma investigação à actuação do ex-vice-presidente Joe Biden e aos negócios do seu filho, Hunter Biden, na Ucrânia. Hunter Biden foi contratado pela empresa ucraniana Burisma, de extracção e produção de gás, e Joe Biden incentivou o Governo de Kiev a libertar-se da dependência energética em relação a Moscovo.
Trump sugeriu a Zelensky que entrasse em contacto com o procurador-geral norte-americano, William Barr, e com o seu advogado pessoal, Rudolph W. Giuliani, para ajudarem nas investigações. Na chamada, diz o denunciante, não foram discutidos outros “assuntos”.
A conversa entre os dois líderes está a ser vista pelos democratas e analistas como um pedido de Trump a um país estrangeiro para ajudar a influenciar as presidenciais de 2020, uma vez que Joe Biden é um dos dois principais candidatos na corrida às primárias democratas. A acção pode ser lida como crime de alta traição.
E, para acalmar os ânimos, a Casa Branca revelou o resumo oficial da conversa, mas as desconfianças apenas aumentaram por se ler no documento: “Há muita gente que quer descobrir [o que aconteceu], por isso tudo o puder fazer para ajudar o procurador-geral seria óptimo. Biden andou a vangloriar-se que travou a investigação, por isso seria óptimo que pudesse investigar… parece-me horrível.”
Tirar do sistema
Pouco depois, as movimentações na Casa Branca, diz o denunciante, começaram para que os registos da conversa não viessem a público, uma vez que sabiam a gravidade do que foi dito. “Funcionários da Casa Branca contaram-me que receberam ‘ordens’ de advogados da Casa Branca para removerem a transcrição electrónica do sistema informático no qual as transcrições estão normalmente armazenadas, para coordenação, finalização e distribuição pelos membros do Gabinete”, lê-se na queixa.
Eliminada desse sistema, a transcrição foi armazenada num outro dedicado a informações sensíveis, garantiu o denunciante. As conversas entre o Presidente e outros chefes de Estado não são gravadas, apenas transcritas por funcionários da Agência Central de Inteligência (CIA), adstritos ao Conselho de Segurança Nacional. Ouvem a conversa e tiram notas, elaborando depois resumos, por sua vez partilhados numa base de dados confidencial.
O telefonema foi ouvido por uma dúzia de responsáveis da Casa Branca e o desconforto fez-se sentir quase de imediato, continua o documento. Os próximos de Trump entraram então em contacto com advogados da residência oficial do Presidente para saberem o que podiam fazer para o caso não vir a público, diz o denunciante.
“Disseram-me que já estava a ‘decorrer uma discussão’ com advogados da Casa Branca sobre como tratar o telefonema na eventualidade de os elementos dos serviços secretos contarem algo sobre o abuso de poder do Presidente para seu benefício”, lê-se na queixa.
O caso vai para além de um simples telefonema. O denunciante diz que Giuliani entrou por inúmeras vezes em contacto com conselheiros de Zelensky, entre os quais o seu chefe de gabinete, Andrii Bohdan, e com o chefe dos serviços secretos ucranianos, Ivan Bakanov, pouco depois das eleições presidenciais que deram a vitória ao chefe de Estado ucraniano.
E, a 26 de Julho, um dia depois do telefonema, o representante especial dos Estados Unidos para a Ucrânia, Kurt Volker, e o embaixador norte-americano na União Europeia, Gordon Sondland, viajaram para Kiev, na Ucrânia, e encontraram-se com Zelensky para o ajudar a “navegar” as exigências de Trump.
Uma actuação do Presidente que põe em “risco a segurança nacional dos Estados Unidos” e que representa um “grave e flagrante problema, abuso ou violação da lei e da lei executiva”, acusa o denunciante. E, perante o que sabia, entregou uma queixa formal ao inspector-geral da comunidade de serviços secretos norte-americana, Michael Atkinson, e já garantiu que, mantendo o anonimato, está disponível para colaborar nas investigações.
Atkinson entrevistou várias testemunhas e chegou à conclusão de que o Presidente terá solicitado ajuda ilegal a um país estrangeiro para influenciar as eleições, segundo um memorando do Departamento de Justiça referido pelo New York Times. Recomendou que a queixa fosse desclassificada e enviada aos congressistas por “preocupações urgentes”, embatendo na proibição do director interino da rede de agências de informações, Joseph Maguire, o que este nega ter feito. O Departamento de Justiça também proibiu que a queixa fosse enviada ao Congresso.
Ao contrário das ligações da campanha de Trump com a interferência russa nas presidenciais de 2016, este novo caso põe o Presidente no centro da interferência externa e fá-lo com documentos oficiais.
Os democratas perderam a paciência com o que leram no resumo oficial da Casa Branca e a presidente da Câmara dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi, anunciou a abertura de um processo de impeachment contra Trump e, com estes novos dados, é possível que uma das acusações seja a de encobrimento, à semelhança da tentativa de destituição de Richard Nixon, em 1974, no caso Watergate.
Os democratas detêm a maioria na câmara baixa do Congresso (235 contra 198 republicanos), mas os republicanos controlam o Senado (53 contra 45 democratas), o que faz com que a destituição seja bastante improvável. Trump depende dos republicanos e até ao momento nenhum senador veio a terreiro retirar-lhe o apoio.