Governo diz que o Parlamento “está morto” e Johnson quer que a oposição o derrube

Limitado pela decisão do Supremo, na véspera, primeiro-ministro britânico desafia oposição a apresentar moção de censura, para forçar eleições antecipadas. Corbyn aceita ir às urnas, mas quer garantias de que o “Brexit” sem acordo será evitado.

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Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido Reuters/HENRY NICHOLLS

O veredicto de terça-feira do Supremo Tribunal britânico, que anulou a decisão do Governo de suspender o Parlamento durante cinco semanas, forçou Boris Johnson a mudar de planos, se quiser cumprir o “Brexit” a tempo e horas – 31 de Outubro. De regresso à Câmara dos Comuns, esta quarta-feira, para uma sessão plenária explosiva e atribulada, o primeiro-ministro conservador fez um desafio à oposição, que seria insólito, se o Reino Unido não estivesse a viver tempos extraordinários: apresentem uma moção de censura para derrubar o Governo e aceitem eleições antecipadas.

“Se o partido da oposição não confia no Governo, tem a hipótese de o provar. Têm a oportunidade de apresentar uma moção de censura e podemos votá-la já amanhã [quinta-feira]”, desafiou Johnson, numa intervenção duríssima, na qual acusou a oposição de “cobardia”, de ter “fugido para os tribunais”, em vez de aceitar eleições e de querer “trair a vontade do povo britânico”. “Será que têm coragem?”, questionou.

A proposta parece bizarra, mas encaixa perfeitamente na estratégia do executivo tory para convocar eleições e as transformar num autêntico referendo à saída do Reino Unido da União Europeia. De acordo com a legislação britânica, o Governo necessita de uma maioria de dois terços dos deputados para marcar uma nova votação. Sem maioria na Câmara dos Comuns e depois de chumbada, por duas vezes, essa proposta, Johnson vira-se para a moção de censura como uma potencial tábua de salvação.

Se a vencer – só precisa de maioria simples –, ganha novo fôlego para prosseguir as negociações com Bruxelas, tendo em vista a renegociação do acordo do “Brexit” – a grande prioridade do Governo, assegura Johnson. Se a perder, atira a pressão para cima dos ombros do Partido Trabalhista, que terá 14 dias para formar um executivo apoiado pelos restantes partidos da oposição, se quiser evitar o agendamento automático de eleições.

Mesmo que o resultado dessa solução passe por entregar as chaves do número 10 de Downing Street a Corbyn, Johnson evita a humilhação de ter de se contradizer e pedir à UE novo adiamento do “Brexit”. Deixa esse trabalho ingrato para o líder trabalhista, ou qualquer outro que o queira fazer, e aposta tudo numa eleição que Corbyn já disse também querer e que só não a convoca já porque prefere primeiro excluir um cenário de no-deal.

“Se [Johnson] quer uma eleição, que peça um adiamento [do ‘Brexit’] e vamos a isso”, respondeu Corbyn, depois de acusar Johnson de ser um “primeiro-ministro perigoso que julga estar acima da lei”.

Oposição movimenta-se

O discurso enérgico do primeiro-ministro foi precedido por uma outra intervenção impetuosa, vinda da bancada do Governo e protagonizada por Geoffrey Cox. Depois de garantir que o executivo conservador agiu “de boa-fé” quando decretou a suspensão do Parlamento, o procurador-geral questionou a legitimidade da oposição – e da própria câmara – para se voltar a reunir, face aos obstáculos que tem levantado para impedir o Governo de cumprir o “Brexit” e à sua indisponibilidade para autorizar a realização de eleições antecipadas.

“Este Parlamento é um Parlamento morto! Nem deveria poder voltar a reunir-se. Não tem qualquer direito moral de sentar nestas bancadas”, vociferou Cox, entre gritos de apoio e de censura dos dois lados da câmara, num cenário de absoluto caos, cada vez mais frequente na rotina parlamentar britânica. “Este Parlamento é uma vergonha”, insistiu.

Com a reabertura das portas da Câmara dos Comuns intensificaram-se as movimentações junto da oposição, para se tentar reduzir ao máximo as probabilidades de uma saída do Reino Unido da UE sem acordo, a 31 de Outubro. Em cima da mesa, e sob proposta dos Liberais Democratas, está a ser preparada uma emenda à legislação que impede o Governo de avançar para um no-deal sem a autorização expressa do Parlamento.

Aprovada no início do mês, por uma “coligação” interpartidária – que incluiu conservadores rebeldes –, antes da suspensão do Parlamento que o Supremo diz que nunca existiu, a lei em causa estabelece o dia 19 de Outubro como limite para a actuação do Governo, no que ao futuro do “Brexit” diz respeito. Se até lá os deputados não aprovarem um acordo de saída ou não autorizarem o executivo tory a sair sem acordo, Boris Johnson terá de pedir um adiamento do divórcio com a UE até ao final de Janeiro do próximo ano.

Temendo que o executivo tory esteja a explorar possíveis lacunas na lei, para a contornar e não se sentir juridicamente vinculado a cumpri-la, a oposição quer oferecer-lhe mais mecanismos de responsabilização do Governo e está a ponderar reduzir o prazo-limite – antecipando-o algures para o início do próximo mês.

“O primeiro-ministro abusou da nossa democracia e foi declarado culpado de violar a lei, ao suspender o Parlamento de forma ilegal. Isto prova, uma vez mais e absolutamente, que [Johnson] não é de confiança. Por isso, os Liberais-Democratas estão a trabalhar e a falar com deputados dos diferentes partidos para encontrar um caminho para eliminar mais rapidamente a ameaça de um “Brexit” sem acordo”, confirmou esta quarta-feira a líder do partido liberal britânico, Jo Swinson.

Um pouco à margem destas discussões – pelo menos pessoalmente – está Corbyn. O líder do Partido Trabalhista e sua equipa continuam em discussões para encontrar uma forma de avançar o mais rapidamente possível para eleições antecipadas, garantindo, ao mesmo tempo, que o Reino Unido não sai da UE sem acordo no final de Outubro. Mesmo que adiram a uma eventual proposta dos liberais, os trabalhistas querem, ainda assim, apresentar os seus próprios planos.

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