Garridas e esvoaçantes, as borboletas são um dos insectos mais facilmente reconhecidos pelo olho humano e são também uma das melhores formas de identificar a perda de biodiversidade no mundo dos insectos. Particularmente sensíveis às alterações climáticas, são excelentes indicadores da qualidade dos habitats naturais e da diversidade. As borboletas (e os insectos) estão a desaparecer, e as alterações climáticas são um dos ingredientes que entram para a equação do seu declínio. Na Alemanha, os estudos feitos ao longo das últimas décadas revelam números alarmantes: um deles mostra que, em 27 anos, desapareceram 75% dos insectos voadores que existiam em reservas naturais.
“Sabemos que há um declínio, porque as ameaças que existem lá fora também as temos cá dentro. Não é uma percepção, está a acontecer”
Eva Monteiro, vice-presidente do Tagis
(Centro de Conservação de Borboletas de Portugal)
Quantas espécies há em Portugal?
O que causa o desaparecimento de borboletas?
As alterações climáticas têm muitas faces e a perda de biodiversidade é “só” uma delas – as borboletas estão na linha da frente nesta batalha sem vitória à vista e servem de reflexo para os restantes insectos. Como resultado, “tem havido um aumento significativo e rápido das comunidades de borboletas europeias compostas cada vez mais por espécies associadas a temperaturas mais altas”.
Num relatório europeu que analisou as comunidades europeias de borboletas entre 1990 e 2009, dava-se conta de que “as borboletas não estão a acompanhar o passo das alterações climáticas”. E que, a longo prazo, é mais provável que as oscilações no número de borboletas se dêem por causa das alterações climáticas – e não devido às mudanças habituais de clima (que, de ano para ano, era ora mais frio, ora mais quente, com mais ou menos chuva), como acontecia até agora.
Morfologia da borboleta
As borboletas e as traças pertencem à ordem Lepidóptera, que significa “asa coberta de escamas” em grego
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Escamas coloridas e sobrepostas
Pode não parecer, mas as asas das borboletas estão cobertas de pequeninas escamas coloridas e sobrepostas que lhes garantem a estrutura e a firmeza de que precisam para voar. É por isto que não se deve tocar nas asas das borboletas, já que estaríamos a retirar escamas essenciais ao voo (no corpo pode tocar-se). As escamas ajudam também a regular a temperatura corporal, reflectindo ou absorvendo a luz solar. Cada borboleta tem entre 200 a 600 escamas por milímetro quadrado.
Escamas da borboleta-pavão diurna (Inachis io)
As borboletas são animais ectotérmicos – a sua temperatura corporal é obtida através do calor de uma fonte externa, como o Sol – e as suas asas funcionam como uma espécie de “painel solar”, que lhes dá energia para voar. Quando estão pousadas com as asas abertas, estão a “apanhar banhos de sol”. É por isto que as borboletas são mais facilmente observadas na Primavera e no Verão; nos meses mais frios, ficam escondidas em esconderijos naturais como grutas, troncos de árvores ou construções humanas mais resguardadas.
Metamorfose
O tempo médio de vida depende da espécie e da geração da borboleta. Normalmente o ciclo de vida completo de uma borboleta não ultrapassa um ano – mas há espécies que duram três semanas (como a borboleta-da-couve) e outras que podem levar dois ou mais anos em fase de crisálida (como a borboleta-carnaval)
Migração
Grande parte das borboletas hiberna nos meses mais frios, mas há borboletas que optam por outros métodos para permanecer em zonas quentes. Um dos casos mais conhecidos de migração é o das borboletas-monarca, na América do Norte. Em Setembro, há nuvens de borboletas que se formam pelos ares e que voam mais de 2500 quilómetros para chegar a climas mais quentes: por norma, há milhões de borboletas que partem do Sul do Canadá ou do Norte dos Estados Unidos para o México ou para a Califórnia – na Primavera, fazem o percurso inverso. Mas não há uma borboleta que faça a jornada completa: ao longo da viagem, as borboletas vão pondo ovos e pode levar até quatro ou cinco gerações para se fazer o caminho completo de ida e volta entre o Canadá e o México.
FELIPE COURZO/REUTERS
FELIPE COURZO/REUTERS
Migração
Grande parte das borboletas hiberna nos meses mais frios, mas há borboletas que optam por outros métodos para permanecer em zonas quentes. Um dos casos mais conhecidos de migração é o das borboletas-monarca, na América do Norte. Em Setembro, há nuvens de borboletas que se formam pelos ares e que voam mais de 2500 quilómetros para chegar a climas mais quentes: por norma, há milhões de borboletas que partem do Sul do Canadá ou do Norte dos Estados Unidos para o México ou para a Califórnia – na Primavera, fazem o percurso inverso. Mas não há uma borboleta que faça a jornada completa: ao longo da viagem, as borboletas vão pondo ovos e pode levar até quatro ou cinco gerações para se fazer o caminho completo de ida e volta entre o Canadá e o México.
O que distingue uma borboleta de uma traça?
A ordem Lepidóptera divide-se em dois grandes grupos: as borboletas diurnas e as borboletas nocturnas (também chamadas "traças ou mariposas"). Nem todas as nocturnas voam só de noite e também podem ter cores garridas. Eis algumas pistas para as distinguir:
A polinização de flor em flor
Tal como as abelhas, as borboletas são embaixadoras da biodiversidade e são sobretudo importantes para o ambiente por serem polinizadoras: com a sua espirotromba, alimentam-se de néctar, “uma espécie de recompensa das plantas, cuja única função é atrair estes insectos polinizadores”, e voam de flor em flor, transportando o pólen no seu corpo coberto de pêlos. A polinização consiste no transporte de pólen para que as flores sejam fecundadas — este transporte pode ser feito através do vento, das aves, do homem ou dos insectos. Não havendo polinização ou dispersão de sementes, o desaparecimento das borboletas e de outros polinizadores afectaria as cadeias alimentares e levaria à extinção de grande parte das plantas com flor (angiospérmicas).
Camuflagem
As borboletas “são prova da diversidade e da abundância” e adaptam-se à temperatura, à altitude, à humidade, à vegetação. Há borboletas que brincam com os desenhos que têm nas asas para se camuflarem, como a borboleta-pavão diurna (que quando aberta tem uma cor garrida com uns desenhos de olhos, mas quando se fecha fica toda preta), ou as borboletas-limão ou borboletas-cleópatra (que parecem folhas de árvores).
Borboleta-pavão diurna (Inachis io)
Borboleta-cleópatra (Gonepteryx cleopatra)
60 espécies diurnas comuns em todo o território português
Tamanho mínimo e máximo das borboletas, em mm
Estão ameaçadas?
Saber quantas borboletas estão extintas é “muito difícil, se não mesmo impossível” – uma espécie só está oficialmente extinta quando não existem quaisquer dúvidas de que o último indivíduo desapareceu, o que pode levar anos a provar.
Em Portugal, pelo menos 10% das espécies de borboletas diurnas podem estar em risco de extinção. Segundo a Lista Vermelha das Borboletas da Europa (2010), quase 9% das espécies estão ameaçadas a nível europeu – mas a organização Butterfly Conservation Europe alerta que estas são “estimativas a apontar para baixo”, já que há países que não têm muitos dados sobre as borboletas. Em Portugal, só este ano arrancou um projecto de monitorização de borboletas em que todos podem participar, uma espécie de “censos das borboletas”.
Borboleta-grande-da-couve-da-madeira (Pieris wollastoni)
Esta borboleta é endémica de Portugal e está classificada como "criticamente ameaçada" na Europa, possivelmente extinta – existia só na ilha da Madeira e não é observada desde 1986
Apatura iris
Em Portugal continental, esta borboleta não é vista desde os anos 1920. “É uma espécie de difícil observação que passa a maior parte do tempo no alto das copas dos carvalhos” – daí que não se saiba com certeza se está extinta ou não
Caçar borboletas – no bom sentido
O que são estes “censos das borboletas”?
Portugal faz parte (desde Maio) do Plano Europeu de Monitorização de Borboletas – que consiste na identificação e contagem de borboletas, recolhendo-se dados para poder dizer com certezas se as borboletas estão, ou não, a desaparecer. O projecto de “ciência cidadã” está incluído no Able – Assessing Butterflies in Europe (Avaliar as Borboletas na Europa), é financiado pela União Europeia e tem uma duração inicial de dois anos. E, como explica a coordenadora destes “censos”, Eva Monteiro, “qualquer pessoa pode participar”.
Passo 1: Escolher o percurso
O transecto – percurso de estudo – deve ter cerca de um quilómetro e deve ser de fácil acesso ao “caçador de borboletas”, para poder ser visitado pelo menos uma vez por mês. O percurso fixo tem de ser registado na plataforma do projecto, e pode pedir-se ajuda ao Tagis para definir o percurso.
Passo 2: Aprender a identificar borboletas
Como terá de apontar todas as espécies de borboletas observadas, o Tagis disponibiliza online um guia das borboletas que existem em território nacional e que ajudarão a perceber qual a espécie observada. O guia tem imagens de todas as borboletas, indicando também o seu tamanho e os meses em que podem ser vistas a voar.
Passo 3: Contar borboletas e enviar registos
A contagem é idealmente feita a passo lento entre Março e Setembro, apontando-se a hora a que começa e a que termina a contagem, assim como a temperatura. De resto, não deve estar a chover, nem deve haver vento. Os dados devem ser apontados numa folha de registo e depois introduzidos numa plataforma online.
Borboletas ausentes, presentes e extintas
O projecto Able disponibiliza uma base de dados com registos das borboletas presentes noutros países em que se pode ver a distribuição das espécies pela Europa, em 46 locais (incluindo Madeira e Açores): pode ver-se se as borboletas existem num país, se só são vistas de vez em quando ou se foram declaradas extintas. A categoria “ausente” não é necessariamente uma coisa má: tal como nos restantes animais, há espécies que, naturalmente, não existem em certas regiões.
Ausente
Presente
Migrante regular
Vagueante irregular
Regionalmente extinto
Salva da extinção
A borboleta Phengaris arion foi identificada pela primeira vez em 1758 e, em 1979, foi declarada extinta no Reino Unido (tal como aconteceu na Bélgica e na Holanda) – os coleccionadores, a poluição do ar e os insecticidas foram apontados como causas prováveis. Através de métodos de conservação, foi reintroduzida na natureza (utilizando borboletas vindas da Suécia), mas continua a estar em risco de extinção. Esta borboleta está presente por toda a Europa, mas não existe em Portugal.
Pete Eeles
Pete Eeles
Salva da extinção
A borboleta Phengaris arion foi identificada pela primeira vez em 1758 e, em 1979, foi declarada extinta no Reino Unido (tal como aconteceu na Bélgica e na Holanda) – os coleccionadores, a poluição do ar e os insecticidas foram apontados como causas prováveis. Através de métodos de conservação, foi reintroduzida na natureza (utilizando borboletas vindas da Suécia), mas continua a estar em risco de extinção. Esta borboleta está presente por toda a Europa, mas não existe em Portugal.
FICHA TÉCNICA
Coordenação: Célia Rodrigues Textos: Claudia Carvalho Silva Infografia: Cátia Mendonça, Francisco Lopes, Gabriela Gómez e José Alves Desenvolvimento web: Francisco Lopes Tratamento de imagem: Valter Oliveira Fotografias: Wikipedia Commons