Juiza diz que saída do Tribunal Constitucional foi questão de “interesse público”
Maria Clara Sottomayor explica por que quis sair do Tribunal Constitucional. Alega “razões de consciência” para concluir: “Não me restou outra hipótese que não a renúncia”.
A Juíza Maria Clara Sottomayor, que renunciou às suas funções no Tribunal Constitucional (TC) a 25 de Julho de 2019, explicou que a sua saída “não se tratou de uma questão de natureza subjectiva ou de mero conflito entre pares, como veiculou alguma comunicação social”.
Segundo a magistrada, num texto de Opinião com o título “Quem guarda o guardador?”, publicado esta segunda-feira no PÚBLICO, a sua renúncia tratou-se de uma “questão de interesse público, em relação à qual as sociedades têm direito à verdade”.
Maria Clara Sottomayor escreveu que, “no processo dos metadados, após a discussão do memorando do presidente e da definição da orientação do TC”, foi seleccionada “por sorteio para ser relatora”.
“Entreguei projecto de acórdão, de acordo com o que tinha sido decidido no plenário”, escreveu, acrescentando: “É importante sublinhar que nunca fiz, no projecto por mim apresentado, qualquer comparação entre violência doméstica e terrorismo, nem me recusei a proceder a qualquer alteração de redacção ou correcção proposta durante as sessões.”
No entanto, refere a magistrada, o plenário veio a assumir um outro projecto, resultante de alterações que a própria tinha apresentado, e “em cuja fundamentação, que integrava textos que não foram escritos” por si, não se revia. E esses aspectos eram a seu ver, essenciais. E explicita: “A relação entre direito comunitário e direito nacional, e a fundamentação da inconstitucionalidade do artigo 4.º da lei dos metadados na parte relativa aos dados pessoais que não envolvem comunicação intersubjectiva.”
Foi neste contexto que Maria Clara Sottomayor, “por razões de consciência”, declarou que estava “vencida em pontos essenciais da fundamentação” e solicitou a mudança de relator. A juiza entende que “será insólito que se espere que o relator se autolimite a um papel de reprodução dos fundamentos invocados pelos restantes colegas de voto a sua posição, retirando força ao acórdão que subscreveu como relator”.
E acrescenta: “Mais insólito será que se possa afirmar ter um colectivo legitimidade para impor ao relator que integre no acórdão textos escritos por outros juízes quanto aos fundamentos da decisão, transformando o relator, afinal, num mero secretário, que nem direito ao seu estilo linguístico tem.”
Porém, contra essa pretensão da magistrada foram invocadas regras que vedavam, na fiscalização sucessiva, mudança de relator.
“Não me restou outra hipótese que não a renúncia”, escreve a magistrada, sublinhando que participou em todas as sessões em que aspectos substanciais do projecto foram discutidos e que deixou no TC uma declaração de voto que não foi integrada no acórdão e que teria ajudado a esclarecer a sua posição.