Thomas Cook anuncia falência e obriga a repatriar 600 mil turistas

Com 178 anos de actividade, a Thomas Cook faliu deixando centenas de milhares de turistas com contas por pagar e sem transporte para casa.

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No aeroporto de Menorca EPA/DAVID ARQUIMBAU SINTES
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EPA/ARMANDO BABANI

O operador turístico britânico Thomas Cook anunciou nesta segunda-feira falência depois de não ter conseguido encontrar, durante o fim-de-semana, os fundos necessários para garantir a sua sobrevivência. Entrará, por isso, em “liquidação imediata”, deixando centenas de milhares de turistas retidos nos destinos — o ministro dos Transportes britânico Grant Shapps já disse mesmo que este é o maior esforço de “repatriação em tempo de paz” na história do Reino Unido.

“Pesadelo, pesadelo, stressado”, disse Nick, um turista britânico ouvido pela Reuters no aeroporto de Maiorca (Espanha). “Não era o que queríamos antes de ir para casa. Mas o que podemos fazer? Há muita gente que perdeu os seus empregos, por isso não estamos tão mal como essas pessoas.”

Nick e a sua família – incluindo duas crianças, uma com dois anos e outra com 12 – tinham voo marcado para Newcastle (Reino Unido) no domingo à tarde. Agora, com sorte, conseguirão chegar a Manchester no final desta segunda-feira e depois fazer 240 quilómetros de autocarro.

Mas há mais. Para além da falta de voos também há muita falta de informação e comunicação, queixa-se David Midson, britânico de férias na ilha de Corfu (Grécia). “Há um aviso a dizer que os clientes da Thomas Cook deviam entrar em contacto com a agência, mas não conseguimos chegar a essa pessoa porque não existe. Como podemos fazer isso?”

“Apesar dos esforços consideráveis, as discussões entre as diferentes partes interessadas do grupo e de novas fontes de financiamento possíveis, não resultaram em acordo”, apontou o operador turístico britânico em comunicado. “Desta forma, o Conselho de Administração concluiu que não tinha escolha, a não ser tomar medidas para entrar em liquidação com efeito imediato”, acrescentou.

Repatriamento em curso

Neste momento, a Thomas Cook, que gere hotéis, resorts e companhias aéreas, tem 600 mil clientes de férias, incluindo 150 mil britânicos e outros tantos clientes da Alemanha e de outros países escandinavos – o que significa que os Governos e as seguradoras terão de intervir para os repatriar, agora que a empresa declarou falência. 

Todos os voos da companhia foram cancelados com efeitos imediatos, o que quer dizer que as 116 aeronaves (85 Airbus e 31 Boeing) que a empresa detém, de acordo com a Reuters, vão deixar de levantar voo. Em Portugal, no Algarve, estão retidos 500 turistas britânicos, de acordo com os dados da embaixada fornecidos ao Governo português.

A falência teve impacto imediato junto de clientes que gozam pacotes de férias organizados pela operadora de viagens no exterior. Estes não conseguiram sair dos hotéis e resorts sem pagar os valores decorrentes das estadas, já depois de terem efectuado o mesmo pagamento à Thomas Cook.

Vários cidadãos que estavam de férias na Tunísia disseram no domingo à BBC que foram impedidos de sair dos hotéis.

Para evitar uma situação como essa, o Governo turco está a impedir que os hotéis expulsem os cerca de 21 mil clientes da Thomas Cook que estão no país ou lhes peçam mais dinheiro, sob pena de serem processados. O ministro da Cultura e do Turismo Mehmet Nuri Ersoy​ prometeu ajudar os hotéis através de um “pacote de empréstimos” que ajude os estabelecimentos afectados pelo colapso da Thomas Cook.

O colapso da Thomas Cook deixou cerca de 50 mil turistas “presos” na Grécia, segundo as contas do ministro do Turismo grego, em declarações à Reuters. “Foram agendados voos extra nos aeroportos gregos e já vieram 15 para garantir o regresso a casa sem problemas. Além disso, o custo da estada pelo resto das férias vai ser coberto”, garantiu Harry Theoharis.

O Governo britânico fretou 45 aviões para levar a cabo o repatriamento, numa resposta baptizada como Operação Matterhorn. Vários aviões estão a chegar para ajudar neste processo, alguns da Virgin, British Airways e Easyjet. Só os turistas com voos de regresso marcados para as próximas duas semanas, até ao dia 6 de Outubro, é que vão conseguir regressar sem custos para casa — e numa data o mais próximo possível daquela que conta no bilhete de regresso.

O esforço de repatriamento vai ser quase o dobro daquele que foi necessário quando a Monarch faliu, em Outubro de 2017. E deverá custar o dobro, também. Nessa altura, a Autoridade para a Aviação Civil britânica (CAA) precisou de 567 voos para repatriar 84.000 cidadãos de volta para o Reino Unido, numa operação que custou 50 milhões de libras (quase 57 milhões de euros).

Falência deixa em risco 22 mil empregos

Para sobreviver, o grupo Thomas Cook precisava de arrecadar 200 milhões de libras (cerca de 227 milhões de euros) em fundos adicionais, reivindicados pelos bancos, como o RBS ou o Lloyds. Falhou e deixa em causa também cerca de 22.000 empregos — nove mil empregos só na Grã-Bretanha.

A ministra da Economia, Andrea Leadsom, anunciou que vai pedir ao Serviço de Insolvência que dê prioridade à investigação em torno das circunstâncias que levaram à falência da Thomas Cook. “Vai ser uma altura muito preocupante para os trabalhadores da Thomas Cook, assim como para os seus clientes. O Governo vai fazer tudo o que puder para os apoiar”, disse Leadsom, citada pelo The Guardian.

“Vamos criar um grupo de trabalho para monitorizar os impactos locais, escrever às seguradoras a pedir rapidez para processar as queixas e vamos preparar-nos para dar assistência.”

Boris Johnson confirmou, nesta segunda-feira, que recusou um resgate de 150 milhões de libras (cerca de 170 milhões de euros) à empresa falida, depois das negociações que tiveram lugar no domingo. O primeiro-ministro assegurou que todos os cidadãos britânicos seriam repatriados, com os custos totais para os contribuintes a cifrarem-se nas centenas de milhões de libras, mas reforça que seria “errado” resgatar a empresa.

“É verdade que houve um pedido no valor de cerca de 150 milhões de libras”, afirmou Johnson aos jornalistas, durante um voo para Nova Iorque, para estar presente na Assembleia Geral da ONU.

“Claramente é muito dinheiro dos contribuintes, e cria, como devem calcular, um risco moral no caso de futuras dificuldades comerciais que estas empresas enfrentam”, cita a Business Insider. Sobre a falência da Monarch e da Thomas Cook, o chefe do executivo disse que se devia “reflectir se os directores destas empresas são incentivados a resolver estes assuntos”. “Acho que precisamos de olhar para as formas como os operadores turísticos, de uma forma ou outra, se podem proteger destas falências no futuro. E claramente, pôr em funcionamento sistemas para que as empresas como a Monarch ou a Thomas Cook não acabem a pedir ajuda aos contribuintes.”

A empresa, com 178 anos de actividade, tinha previsto assinar esta semana um pacote de resgate com o seu maior accionista, o grupo chinês Fosun, estimado em 900 milhões de libras (1023 milhões de euros), mas tal foi adiado pela exigência dos bancos que o grupo tivesse novas reservas para o Inverno.

O Grupo Fosun mostrou-se “desapontado” pelo fracasso nas negociações. “A Fosun está desapontada por o Grupo Thomas Cook não ter sido capaz de encontrar uma solução viável para a proposta de recapitalização com outros afiliados, bancos centrais de empréstimos, investidores seniores e outras partes envolvidas”, anunciou o grupo em comunicado à AFP. “A Fosun confirma que a sua posição se manteve inalterada ao longo de todo o processo, mas infelizmente outros factores mudaram”.

Já há alguns anos que o grupo Thomas Cook passava por dificuldades. A quebra do negócio dos pacotes turísticos – que perderam popularidade para as reservas online e empresas low cost — e a instabilidade política e problemas de segurança nos países tradicionalmente procurados pelos clientes da Thomas Cook, nomeadamente no Mediterrâneo, ditaram esta crise. 

As dificuldades financeiras da empresa acumularam-se no ano passado: a Thomas Cook revelou, em Maio de 2019, que enfrentava alguns problemas, causados em parte pela incerteza do Brexit e pelos atrasos nas marcações das férias de Verão.

Em Agosto foram anunciadas negociações com o grupo chinês Fosun, que detém múltiplos activos a nível mundial, nos sectores de saúde, bem-estar, turismo (como o Clube Med), financeiro e até futebol (o clube inglês Wolverhampton Wanderers, treinado pelo português Nuno Espírito Santo).

Em Portugal é dona da seguradora Fidelidade, que comprou à Caixa Geral de Depósitos (CGD) em 2014 e, através da seguradora, 5% da REN – Redes Energéticas Nacionais, é a maior accionista do banco BCP (com 27,25%) e é a dona da Luz Saúde.