Por estes dias comecei a ver uma das séries de maior sucesso na actualidade: Mindhunter. A trama passa-se nos finais da década de 70, nos Estados Unidos, e conta a história de dois agentes do FBI que dão início a um programa de entrevistas com autores de múltiplos homicídios. A noção de serial killer (assassino em série) era, então uma, novidade.
O programa tinha como objectivo traçar perfis psico-comportamentais que ajudassem a resolver e prevenir outros crimes. Durante as entrevistas, os protagonistas foram percebendo que infâncias difíceis (meios suburbanos pobres e problemáticos) e novas realidades parentais (relação entre mães e filhos; adopção, divórcio, ausência da figura do pai, etc.) eram os principais gatilhos de comportamentos desviantes. O cariz sexual, presente na maioria dos crimes, projectava o resultado dessas relações e das fantasias que lhes estavam subjacentes, segundo uma lógica de compensação.
No entanto, tais realidades familiares reflectiam todo um mundo em mudança: à medida que as grandes metrópoles se expandiam e novas mobilidades surgiam, perdia-se a integração na comunidade e o indivíduo via-se confrontado com a necessidade de procurar outros espaços e novos canais de expressão. Os serial killers seriam, assim, uma espécie de sintoma extremo de toda uma sociedade “doente”, pautada por instituições (regras, normas, valores e culturas) desactualizadas em face de novas realidades emergentes.
Confesso que, por defeito de formação, isto me chamou a atenção. De facto, e como é referido logo no primeiro episódio da série, o fenómeno da violência nas sociedades modernas é tratado pela sociologia como uma manifestação da ausência de normas (ou anomia, como lhe chamou E. Durkheim) e ao individualismo que marca períodos de grande transição social.
Ora, é certo que os anos 70 foram um ponto de viragem, mas os efeitos de um mundo globalizado, tendencialmente urbano e em rápida mudança, são uma realidade que continua a pôr em causa a capacidade das instituições actuais.
Felizmente, os serial killers parecem ser hoje menos comuns do que nessa altura. Em contrapartida, há novos escapes de grandes e pequenas violências que evidenciam a mesma leitura sociológica. Basta pensar nos massacres em escolas, recorrentes nos Estados Unidos, ou nos atentados terroristas que se têm multiplicado um pouco por todo o mundo. A grande diferença (piadas à parte) é que, nestes casos, tem sido difícil entrevistar os seus autores.
Por outro lado, em sociedades muito vigiadas como as que vivemos, o grande problema está agora nas pequenas violências. Nas redes sociais, multiplicam-se fenómenos como o cyber bullying ou os haters; a violência institucional é também uma constante, com o assédio moral e de outros tipos a ser normalizado como forma de poder, controlo e coerção.
Muitos outros exemplos poderiam ser dados, mas o ponto é que nunca antes tivemos tantas categorias de grande e, sobretudo, pequena violência. Esta série dá que pensar exactamente por isso. Como podemos lidar com uma realidade cada vez mais cheia de violências subtis e sem rosto? Quais são os problemas de fundo que estas pequenas violências evidenciam? Que instituições temos e de que instituições precisamos?