Vamos falar de eleições com os miúdos?

Lembrar que as crianças são os eleitores do futuro é o condão do LU.CA - Teatro Luís de Camões, que apresenta, entre 21 de Setembro e 6 de Outubro, um ciclo de actividades para ensinar a democracia. Como nas urnas, difícil será escolher.

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Ilustração de Bernardo P. Carvalho. Três figuras retiradas do livro “Daqui ninguém passa”. D.R.

Por estes dias, os debates políticos acompanham o peixe e as batatas cozidas na hora de jantar. Entre garfadas, ouve-se “e os desenhos animados?” - a reivindicação repetida que indica que ter vontades não é exclusivo dos graúdos. A divisão de poderes, no entanto, dita que as regras, como num jogo já assimilado, são fixadas pela mãe, pelo pai e pelos avós.

O Vicente sabe que ganha o programa que tem mais votos, e que o poder da casa também está ao serviço das suas necessidades, do seu elementar conforto e protecção. Seguem-se as perguntas que interrompem o silêncio do desencontro com aquela linguagem engravatada. “António Costa é o primeiro-ministro”, certíssimo, e ocupa-se de “governar” o país. O país, que lhe soa a uma vastidão assombrosa, para lá das ruas conhecidas e das mãos firmes dos avós. Antigamente, há mais tempo do que o que calcula com os seus pequenos dedos, os meninos não podiam dizer o que pensavam, ninguém podia, nem mesmo dar beijinhos na rua.

 “O 25 de Abril foi quando os canhões e os tanques levaram rosas e cravos para não disparar.” Vicente sabe porque o aprendeu na escola. Não conhece o antes. Cresceu no palco da democracia e da liberdade de expressão; a censura não lhe é familiar. Para Carolina também não, que usa intuitivamente a arma que outros conquistaram por si. “Se eu votasse, era nas pessoas que querem tirar o plástico dos oceanos”, garante, do alto dos seus oito anos.

No espectáculo como na vida, há momentos para se reclamar o papel principal

Um dia, Carolina ouviu nas notícias que uma baleia tinha morrido por ingerir o material em quantidades letais. Nesse dia, em que absorveu sem verbalizar, o seu pequeno mundo começou a alterar-se. São estes os momentos decisivos em que um cidadão começa a fazer-se, de forma muda e imperceptível.

A maioridade, altura em que Carolina e Vicente poderão ir às urnas, soa-lhes ainda distante, mas já estão a prepará-la sem que se apercebam. Votar é coisa de gente grande, asseguram. O que ainda desconhecem é que ir às urnas é também uma forma de os mais crescidos cuidarem dos que ainda não têm peso eleitoral. Serviço Nacional de Saúde, rede de escolas, transportes, habitação, bem como o combate às alterações climáticas de que falam nas aulas, são alguns dos direitos de que podem usufruir porque muitos adultos continuam de cravos em punho. 

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Baile de Discos Pedidos com djset de Tânia Afonso D.R.

«Elei…» quê? No teatro, não nascem cidadãos faz-de-conta

Com as eleições legislativas à porta, é hora de pôr os miúdos a falar de assuntos dos graúdos, ou não fossem eles os eleitores de amanhã. E começa-se, de pequenino, a cantar.

“Mais alto!” Cantar, para espantar o desencanto pela política. “Mais alto!” Votar, para voar. A música, em toda a sua autoridade e flexibilidade, move o cidadão rumo ao futuro. O Vicente e a Carolina sabem de cor algumas das cantigas da Revolução, mas ainda não compreendem que a arte é, em si mesma, a transformação.

Francisca Cortesão e Sérgio Nascimento, ela, compositora e guitarrista, ele, baterista e produtor, dão voz a um concerto pré-eleitoral “Mais alto!” a 21 de Setembro, no LU.CA - Teatro Luís de Camões. O certame é parte integrante de um ciclo eleitoral para restaurar a esperança no sistema democrático e levar as novas gerações a um palco de infinitas possibilidades.

Francisca Cortesão D.R.
Sérgio Nascimento D.R.
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Francisca Cortesão D.R.

E porque a cultura é também um direito conquistado, o LU.CA convida a dar um pezinho de dança no Baile de Discos Pedidos, a 22 de Setembro. Neste baile de domingo à tarde, a partir das 16h30, miúdos e graúdos vão poder divertir-se ao ritmo de músicas escolhidas previamente por cada um, para fruição de todos. Numa pista de dança, por apenas dois euros, todos poderão testemunhar como é democrática a alegria da música.

À mesa, debatem-se ideias como na Assembleia da República. Cada um, na sua vez, ordeiramente e sem desgoverno, poderá ajudar a responder a perguntas como: “Será que todos sabemos mandar? Mas quem decide? E como? O que é a política? Quem inventa as leis? Para que servem? É fácil ser justo? Quem manda em casa?”

No teatro da política, também se vai a votos. O programa, que requer a presença de um adulto no mesmo espaço do LU.CA, é conduzido, entre 25 e 29 de Setembro, por Catarina Requeijo e Inês Barahona, numa receita especial, que pode ficar apimentada, designada “É Bom Mandar?”

O cidadão tem de saber-se cidadão. É o que pensa Rui Tavares, o condutor de uma miniconferência inserida no Ciclo de Eleições do LU.CA, que põe a pauta a democracia. No teatro de acções, com espaço para a troca de ideias, ganhará protagonismo o conceito da representatividade. Haverá espaço para os pequenos “deputados” improvisados a 27 e 28 de Setembro, às 14h30, pelo preço habitual: dois euros.

E a fechar o ciclo, como um dia que se encerra com uma história à meia-luz, entram pelo imaginário e pelos sentidos dos mais pequenos “Leituras de uma biblioteca espectacular”, em que Miguel Fragata pode até contar que entre pais e filhos se impõe uma ditadura, mas ajudará ainda a refletir sobre “Como pode ser a democracia”. Do complicado sistema político à arte de desmontar criando, o LU.CA - Teatro Luís de Camões encerra o ciclo com as leituras encenadas a 3, 4 e 6 de Outubro. No dia 5, é dia de silêncio. No dia 6, tudo a votos. E assim se fecha a cortina das Legislativas de 2019, um programa sério que se aprende desde pequenino.