Ainda sobre as barragens: na vida temos de fazer escolhas
Sem água é, na nossa geografia e nas nossas condições edafo-climáticas, impossível à Agricultura produzir resultados economicamente viáveis e interessantes. Ou seja, em Portugal e no sul da Europa, para termos agricultura viável é preciso regar. Temos de escolher. Ou queremos barragens, ou não queremos barragens.
As alterações climáticas são talvez, na actualidade, um dos temas mais abordados em qualquer discussão, política ou outra. O ciclo climático do planeta é algo que está em permanente variação e por isso são conhecidos os diferentes períodos que a Terra atravessou. Já foi um deserto, já foi gelada, já teve dinossauros, enfim, um sem número de variações que são consequência das alterações que se vão verificando à medida que o tempo passa.
Na presença de um ciclo que somos agora nós próprios capazes de sentir e que nos é “palpável”, como é o caso do aquecimento global, temos grande dificuldade em “encaixarmo-nos” nesta mudança. E porquê? Na minha opinião, porque o ciclo da vida humana é demasiado curto e rápido se comparado com a “vida” do planeta, e a humanidade criou um modelo de desenvolvimento – a que chama progresso – que tem na base mais consumo, mais tecnologia e mais velocidade. Queremos fazer mais coisas, queremos ter acesso a tudo, e queremos que tudo aconteça rapidamente. Está-nos no sangue.
Nesta equação, que aparentemente evidencia estarmos em rota de colisão com o futuro do planeta, chegamos à conclusão que é necessário alterar comportamentos e é preciso agir. No entanto, apesar de sabermos que é na sustentabilidade que encontraremos a resposta para os problemas que são gerados pelo desenvolvimento, não estamos disponíveis para abdicar do progresso a que nos habituámos. Falamos, discutimos ainda mais, mas, salvo honrosas exceções, esperamos que a situação se resolva por si. Sonhamos que um dia acordaremos de manhã e tudo estará resolvido. Alguém tratou do problema. Não é assim! Na vida temos que fazer escolhas.
Com objetividade e racionalidade técnica, abordo os efeitos das alterações climáticas, em particular o avanço da desertificação, para me focar na questão da água e na necessidade de constituição de reservas.
Muito se tem falado nos últimos tempos em barragens. Animam discussões políticas, à esquerda e à direita, e são usadas como “arma” de suporte de argumentos ideológicos que prejudicam um raciocínio de base técnica, o mais lógico possível, que possibilite a construção de opções objectivas que resultem em ferramentas de resolução de problemas. É, aliás, isso que se exige a um engenheiro.
A agricultura tem hoje várias vertentes e funções. A primeira é a de produzir alimentos, a segunda, de se enquadrar o melhor possível no território, contribuindo para a sua gestão e ordenamento, a terceira é adaptar-se para poder “viver” num ambiente em transição, sem depauperar os elementos e os recursos de que necessita, consciente do seu contributo para os efeitos secundários que origina, à semelhança de todas as outras actividades humanas.
Em simultâneo, a agricultura é também uma actividade económica, mais intensa aqui, menos ali, mas, para poder interessar as pessoas, tem de produzir resultados. Não imagino uma agricultura realizada tipo função social, paga pelo erário público, ausente de risco e desligada da propriedade e iniciativa privadas. (Prometo ter sido este o único “reparo” de carácter político que aqui expresso.)
Voltando ao tema água, há um velho provérbio que diz... Água é vida! Nada mais simples. É verdade, todos o sabemos e não tem discussão.
Ora, sabemos também que plantas e animais precisam de água e, estando envoltos em ciclos económicos produtivos, precisam de água em quantidade e momentos adequados. Caso assim não seja o resultado das suas produções é, na nossa geografia e nas nossas condições edafo-climáticas (edafo tem a ver com o solo), impossível de produzir resultados economicamente viáveis e interessantes. Ou seja, em Portugal e no sul da Europa, para termos agricultura viável é preciso regar.
Sabemos agora, e já o sentimos na pele, que daqui para diante a chuva vai cair entre nós de maneira diferente, mais concentrada e em menor quantidade. Os períodos sem chuva serão mais longos, mais quentes e mais frios. Ou seja, o clima será mais seco. É esta a terrível equação que dá origem ao processo de desertificação.
Com este problema em mãos, na minha opinião, volto a insistir, e na impossibilidade de conseguirmos como humanos inverter em tempo útil o caminho do planeta, ou nos preparamos e adaptamos para enfrentar o desafio – tentando juntar acções que ajudem à sua inversão – ou aceitamos o “destino” e baixamos os braços. É aqui que entram as barragens. Para enfrentarmos este problema precisamos de apostar na agricultura, fixar pessoas ao território, investigar como produzir mais eficientemente com maior escassez de recursos. Havendo pessoas no território há condições para um melhor ordenamento e, com ele, uma diminuição das condições propícias ao aumento dos fogos rurais e florestais que tanto e tão violentamente têm assolado o País. Em resumo, é preciso mais vida e, para isso, é preciso água.
Se não tivermos barragens, sem fazer aqui quaisquer conjeturas sobre as suas dimensões, grandes ou pequenas, no Tejo ou em Trás-os-Montes, na Beira ou no Algarve, uma coisa é certa: não vamos ter água. Ou melhor, água vamos ter, mas será cada vez mais escassa e menos disponível para o tal ciclo económico que fixe as pessoas, menos oportuna e até mais violenta quando ocorrer, encontrando um território despovoado, envelhecido e vulnerável. Ou seja, mais deserto. É isso que queremos?
Enquanto há vida há esperança, outro dizer nosso. Se formos objetivos, técnicos e científicos, se nos motivarmos a encontrar soluções que nos levem a enfrentar este gigante Adamastor que se nos apresenta, estaremos a preparar o País e o planeta para que os nossos filhos e netos possam continuar o nosso trabalho. Mas, tal como quando percorremos um caminho, há que dar o primeiro passo. Esse, temos de ser nós a dar. Chama-se escolha. Ou queremos barragens, ou não queremos barragens.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico