Desafiado por Lieberman, Netanyahu vai hoje a votos com radicalização de promessas
Lieberman centrou a campanha na divisão entre seculares e religiosos. Já o primeiro-ministro propôs anexar o Vale do Jordão, promessa em que poucos acreditam.
A acreditar nas sondagens, a votação desta terça-feira em Israel não vai trazer para os protagonistas políticos grande alteração ao que foram os resultados das eleições legislativas de Abril: o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, do Likud, e o seu principal concorrente, o antigo chefe do Exército e líder do partido Azul e Branco, Benny Gantz, ficaram praticamente empatados e assim deverão continuar.
As sondagens dão 32 deputados a cada um dos dois partidos e antevisões são mais arriscadas do que o costume – contactado pelo PÚBLICO para falar destas eleições, Ronni Shaked, comentador do popular jornal Yediot Ahronot e estudioso do conflito israelo-palestiniano na Universidade Hebraica de Jerusalém, não espera pela pergunta e diz logo que não tem uma bola de cristal e não faz prognósticos: basta uma pequena diferença num dos partidos mais pequenos para poder determinar quem recebe do Presidente, Reuven Rivlin, o mandato para iniciar conversações para formar Governo. O Presidente decide depois de ouvir as recomendações dos partidos, e escolhe o que tem mais condições para uma maioria (e não necessariamente o mais votado).
Caso o primeiro candidato não consiga formar uma coligação, deveria seguir-se um segundo candidato. Após as eleições de Abril, depois de não conseguir formar Governo, Netanyahu fez o Parlamento votar a sua própria dissolução forçando eleições sem que o seu rival, Benny Gantz, pudesse ter a oportunidade para tentar formar uma coligação.
Mas apesar de ser Gantz o principal rival de Netanyahu e os dois surgirem como os mais votados, nesta arena política muito fragmentada (nos últimos anos partidos têm-se juntado e separado) Netanyahu parece estar a lutar contra outro candidato: Avigdor Lieberman, o líder do partido Yisrael Beitenu (Israel Nossa Casa).
Foi Lieberman quem acabou por provocar a votação desta terça-feira, recusando-se a entrar numa coligação com Netanyahu e os partidos ultra-ortodoxos. O principal objectivo dos religiosos era manter a excepção do serviço militar obrigatório para os ultra-ortodoxos, concedida na fundação do Estado judaico a 400 estudantes de yeshivas (escolas religiosas). Mas cerca de 70 anos depois, os ultra-ortodoxos são cerca de 12% dos nove milhões da população de Israel e continuam a não ter de fazer serviço militar e a viver de subsídios para estudar a Torah.
Bibi, como é conhecido Netanyahu em Israel, não conseguiu convencer Lieberman (que no passado participara em coligações destas com oferta de cargos como os Negócios Estrangeiros ou a Defesa) a desistir do fim da excepção para os ultra-ortodoxos.
Carreira em jogo
A cada eleição Benjamin Netanyahu, que terá em breve uma audição com o procurador-geral (que já indicou a sua intenção de o acusar em três casos de corrupção), vai subindo as promessas eleitorais.
Começou por prometer que não concordaria com um Estado palestiniano em 2015 (o que foi mais extraordinário por quebrar um pressuposto de décadas, mas que já há muito parecia ser o seu objectivo na prática – manter o statu quo) e venceu umas eleições que pareciam perdidas.
Em Abril, prometeu que anexaria os colonatos judaicos na Cisjordânia ocupada, embora não tenha sido levado a sério porque ele próprio já tinha bloqueado propostas semelhantes dos seus parceiros de coligação. Desta vez, de novo a poucos dias da votação, prometeu algo muito maior: que anexaria o Vale do Jordão, além dos colonatos, uma medida que de imediato foi descrita como um grande perigo e como uma promessa eleitoral vazia.
“Essa promessa é apenas campanha e ponto final”, declara Ronni Shaked na conversa telefónica com o PÚBLICO. “Como é que se espera que alguém acredite que um homem que foi primeiro-ministro durante 13 anos, e que não fez nada em relação aos palestinianos a não ser deixar tudo como está – a não ser autorizar alguns colonatos mas mais nada –, vai fazer isso”, pergunta Shaked. “A maioria das pessoas em Israel não o levaram a sério.”
Apesar de estas questões terem feito títulos de notícias em todo o mundo, em Israel a campanha teve uma parte substancial dedicada à divisão entre seculares e religiosos. A excepção do serviço militar é apenas um dos irritantes para muitos israelitas seculares: outros são o monopólio religioso sobre os casamentos, ou as restrições que muitos consideram excessivas no shabbath e nos feriados religiosos.
Lieberman apresentou-se como o secular – nacionalista, defensor de um Estado palestiniano que, como chegou a propor, deveria receber os cidadãos israelitas de origem palestiniana. Mais tarde teve várias tiradas contra árabes israelitas, chegando a sugerir que os que não fossem “leais” ao Estado de Israel fossem “decapitados”. Pode subir de cinco para nove deputados e voltar a ser decisivo.
Esta mudança, e a fragmentação política, faz com que a passagem de votos de alguns partidos para outros seja menos previsível – quantos votos do Likud irão para o partido de Gantz (seculares mais centristas) ou de Lieberman, quantos para o partido “secular-religioso” dos antigos aliados de Netanyahu, Naftali Bennet e Ayelet Shaked, e quantos votos migrarão dos partidos tradicionais do centro-esquerda, incluindo o Labour, para Gantz?
Segundo as últimas sondagens, os trabalhistas podem conseguir cinco deputados no melhor cenário, chegando a ser posta a hipótese de não passarem a barreira eleitoral de 3,25%, o que é impressionante para o partido histórico de Israel.
Já o partido que inclui o antigo primeiro-ministro Ehud Barak, a União Democrática, pode ficar com apenas seis deputados, apesar da entrada surpresa de Barak na cena política.
Quanto a Lieberman, que passou anos no Likud e saiu após anos de condescendência - era “o Vladimir”, o porteiro moldavo sem grande formação que fazia o trabalho duro para o polido Netanyahu, diz o New York Times -, o seu objectivo é vingar-se de Bibi, impedindo-o de ter uma maioria, disse o editor de política do Jerusalem Post, Gill Hoffman. Que remata: “E se Netanyahu não tiver a maioria, a sua carreira acaba.”