Sem apoio oficial brasileiro, o Queer mantém o foco na “negritude” e “homossexualidade”
A brasileira Ancine - Agência Nacional do Cinema retirou o apoio à presença dos filmes Greta e Negrum3 no festival de cinema lisboeta, cuja 23ª edição arranca esta sexta-feira.
Esta segunda-feira, no blogue de Lauro Jardim no site do jornal O Globo, noticiava-se que a brasileira Ancine - Agência Nacional do Cinema, tinha retirado o apoio à presença dos realizadores dos filmes Greta e Negrum3 no Queer Lisboa, o festival de cinema LGBTQIA lisboeta cuja 23.ª edição começa na próxima sexta-feira. Três semanas após ter sido aprovado o apoio financeiro para a viagem de Armando Praça e Diego Paulino, os responsáveis pelos filmes, a agência decidiu retirá-lo. O jornalista explicava que “a temática dos dois filmes tem tudo o que Jair Bolsonaro manifestamente não gosta de ver nas telas: negritude e homossexualidade”.
A organização do festival reagiu nas redes sociais. Durante a tarde desta segunda-feira, escreveram no Facebook e no Instagram que “até ao momento”, o festival não tinha recebido “qualquer contacto oficial por parte da Ancine, a explicar a situação”. E quis sublinhar que, “face às notícias”, “'negritude’ e ‘homossexualidade’ SÃO este Festival”, e, como tal, “ocuparão sempre” as suas telas. A edição deste ano abre aliás com Indianara, um documentário brasileiro sobre a activista transgénero Indianara Sequeira que acompanha as mudanças políticas recentes do país.
Os apoios serviam para reembolsar aos realizadores o preço da viagem de avião para Lisboa, sendo os outros custos, como os da estadia e das refeições, suportados pelo festival.
Ao telefone com o PÚBLICO, João Ferreira, co-director e director artístico do Queer Lisboa, explica que entretanto já conseguiram falar com a Ancine, mas receberam a notícia através de “duas frentes”. A primeira era Diego Paulino, o realizador da curta Negrum3 que lançou uma campanha de crowdfunding na sexta-feira, após ter descoberto o sucedido, e a segunda a notícia de Lauro Jardim. “Não sabíamos de nada, não tínhamos sido informados”, confessa. Tentaram, assim, falar com a Ancine, mas um dos contactos que tinham “deixou de trabalhar”. Entretanto, receberam respostas que falam em “restrições orçamentais”.
“Tiveram de fazer cortes, falam num corte a 11 festivais deste programa de apoio internacional, entre os quais o nosso”, conta o director. “Dizem que o critério de escolha foi exclusivamente temporal, que mantiveram aqueles que já se realizaram ou estão em curso, e ainda não é claro o que acontecerá com os que ocorrem até ao final deste ano. Não sei se por exemplo o DocLisboa, que também tem o apoio da Ancine, irá ser afectado ou não”, continua.
Quanto à ligação com a temática dos filmes, não quer ter certezas. “O que nós sabemos, de notícias que chegam de amigos do Brasil e realizadores, é de um clima que neste momento existe de ataque ao cinema brasileiro, e principalmente a um cinema que tenha uma mensagem ou conteúdos ligados à temática queer. Isso já corre há bastante tempo”, comenta o director. “Não posso estabelecer uma ligação directa, mas que faz com certeza deste programa maior com o qual os realizadores e produtores se estão a ver confrontados, faz”, comenta, referindo ainda as dificuldades de internacionalização e distribuição dos filmes dentro do próprio país, e sublinhando que em breve esses problemas também afectarão a produção. “Do que entendemos, aquilo de que já se ouve falar há meses está a tornar-se legislação”, continua.
Ainda assim, reforça, o Queer “vai ter uma forte presença brasileira”, algo que, “mesmo pelo próprio filme de abertura”, "já estava muito presente”. “Este é mais um episódio a juntar a vários que o Brasil está a sofrer e que vão com certeza marcar muito a edição deste ano do Queer. O festival deve ser também uma plataforma de denúncia”, remata.