Boas notícias de uma pré-campanha “morna”

A campanha parece até agora, como poucas vezes pareceu, uma campanha de uma democracia moderna e madura. Talvez seja essa a razão para que os debates mornos tenham audiências tão razoáveis

O frente-a-frente entre Rui Rio e Jerónimo de Sousa, esta quinta-feira na RTP 1, foi modorrento e sensaborão, mas mesmo assim foi seguido por 742 mil telespectadores. A conversa entre os cavalheiros António Costa e André Silva decorreu sob o signo do tédio e do receio de ferir susceptibilidades teve uma audiência de um milhão de pessoas – quase tanto com a entrevista do primeiro-ministro no auge da “crise dos professores”. E apesar de os monólogos entre Rui Rio e Assunção Cristas não terem deixado para a posteridade outra ideia que não a da existência de um pacto formal de não-agressão entre o CDS e o PSD, o rendez vous foi visto por 927 mil pessoas. Moral da história: os portugueses estão interessados no que os políticos têm para dizer e não precisam de grandes exaltações, de combates verbais inflamados ou de manobras argumentativas para se envolverem na campanha.

Pode-se suspeitar que o ambiente tépido seja uma consequência da previsibilidade dos resultados. A acreditar nas sondagens, o que de essencial permanece em aberto é saber se o PS consegue ou não a maioria absoluta. E essa convicção mais ou menos instalada nos cidadãos e nos directórios partidários pode fazer com que a narrativa da campanha perca nervo, entusiasmo e competição. Mas se esse estado de espírito é transversal, não é por isso que se pode decretar a suspensão da política. Entre a modorra dos debates e a calmaria das acções da pré-campanha tem havido ideias, propostas e diferenças mobilizadoras. 

Não é por isso correcto associar uma campanha morna no tom a uma campanha pobre na substância. Apesar da proliferação dos debates e das declarações, é interessante verificar o esforço do Bloco para se aproximar da grande massa do eleitorado flutuante do centro, é curioso verificar como Rui Rio se empenha para obstar à hecatombe anunciada do PSD, é notável a condescendência com que todos os líderes (pelo menos até agora) dialogam com o radicalismo animalista e ambientalista do PAN, e é útil reparar na forma como cada um se esforça em conferir uma nota de realismo às propostas que exigem encargos financeiros.

Mesmo os que, tantas vezes com justiça, criticam a política e os políticos pela gritaria, a demagogia e a imponderação das suas propostas, têm razões para seguir o curso da campanha. Na política nem tudo o que parece é, nem todas as propostas ou críticas são sustentadas, nem todas os esquemas procuram a racionalidade dos eleitores. Mas que esta campanha parece até agora, como poucas vezes pareceu, uma campanha de uma democracia moderna e madura, lá isso parece. Talvez seja essa a razão para que os debates mornos tenham audiências tão razoáveis.

Sugerir correcção
Ler 5 comentários