Afinal, para onde vão os plásticos desaparecidos no oceano?
Há uma diferença entre a quantidade de plásticos que vai parar ao oceano e a que fica lá a flutuar. Para explicar este mistério, uma equipa de cientistas traçou a viagem oceânica dos plásticos.
Há um mistério por resolver: todos os anos milhões de toneladas de plásticos chegam ao oceano, mas apenas ficam lá a flutuar centenas de milhares de toneladas. Para explicar esta diferença, cientistas sugeriam que os plásticos desaparecidos se degradavam e viajavam para o fundo do oceano. Agora, uma equipa de investigadores da Holanda e da Nova Zelândia reaviva este caso e apresenta uma nova hipótese para o mistério dos plásticos desaparecidos. Segundo a sua investigação, a maioria do plástico que entra no oceano volta às zonas costeiras e apenas uma pequena parte chega às águas ao largo do oceano.
“Desde que a produção em massa de polímeros sintéticos começou nos anos 50, o lixo plástico foi-se acumulando e degradando nos ambientes terrestres e oceânicos”, introduzem os cientistas num artigo científico publicado esta quinta-feira na revista Scientific Reports. Se se considerasse toda a produção e emissão de plástico desde os anos 50, deveriam estar na superfície do oceano dezenas de milhões de toneladas de macroplásticos (plásticos com dimensões superiores a cinco milímetros). Contudo, haverá apenas 250 mil toneladas de macroplásticos flutuantes no oceano, de acordo com o artigo. O que acontece então ao plástico desaparecido?
Este mistério já tinha sido investigado e havia três possíveis explicações. Primeiro, o número dos plásticos que entram nos oceanos pode estar a ser sobreestimado. Depois, a quantidade dos plásticos que actualmente estão a flutuar no oceano pode também estar a ser subestimada. Estudos recentes sugerem que o valor dos plásticos a boiar no oceano pode ser de poucos milhões de toneladas. Por fim, a explicação mais usada é a de que o plástico flutuante não fica muito tempo na superfície, se degrada em microplásticos e acaba por ir para o fundo do oceano.
Agora, uma equipa de cientistas liderada por Laurent Lebreton, investigador da Fundação The Ocean Cleanup (Holanda), voltou a explorar este mistério. Para isso, identificou a data de produção de plástico flutuante da Grande Mancha de Lixo do Pacífico, localizada no giro (grande sistema de correntes oceânicas) do Pacífico Norte. Percebeu-se então que muitos objectos flutuantes tinham a data de produção dos anos 70, 80 e 90, o que quer dizer que o plástico demora mais tempo a degradar-se no oceano do que se pensava.
“O plástico flutuante acumulado nas grandes manchas de lixo no oceano é muito duradouro. E a maioria da contaminação por microplásticos nessas águas é o resultado da degradação de objectos que já têm muitas décadas”, refere ao PÚBLICO Laurent Lebreton, que também participou no estudo publicado em 2018 que estimou que o plástico a flutuar na Grande Mancha de Lixo do Pacífico era de 1,6 milhões de quilómetros quadrados, o que equivale a mais de 17 vezes o tamanho de Portugal continental, dos Açores e Madeira.
O verdadeiro culpado
Mas, se são tão duradouros, onde ficam esses plásticos no oceano? Para traçarem o rasto desses objectos ao longo do tempo, a equipa combinou a datação dos plásticos a modelos matemáticos que simularam a probabilidade desses detritos flutuantes terem voltado à costa depois de terem sido introduzidos no oceano, assim como a probabilidade desses objectos terem sido transportados para as águas ao largo da costa (a mais de 200 milhas náuticas).
“Os nossos modelos mostram que a maioria do ambiente costeiro tem menos de cinco anos, enquanto o plástico nas águas ao largo da costa é mais antigo”, conta Laurent Lebreton. Esta diferença entre a idade dos plásticos permitiu que a equipa desenvolvesse uma nova explicação para o caso dos plásticos desaparecidos.
A sentença foi a seguinte: quando os plásticos são introduzidos no oceano, são transportados pelas correntes ou pelo vento. Pouco depois de terem sido libertados no oceano, uma grande quantidade desses objectos volta à costa. Desses detritos, uns acabam encalhados e são recolhidos pelas actividades humanas, outros acabam mesmo por ficar na costa e há alguns que regressam ao oceano. Estes últimos plásticos repetem este ciclo com uma frequência desconhecida e são transportados para as águas ao largo da costa, onde acabam nos giros oceânicos – há dois giros no oceano Pacífico, dois no Atlântico e um no Índico.
Para Laurent Lebreton, este estudo pode ajudar decisores políticos e a indústria a criar estratégias de mitigação do plástico e motivar novos estudos científicos.
A equipa faz ainda questão de destacar que o verdadeiro culpado pelo mistério dos plásticos desaparecidos são os humanos. Como tal, criou cenários das emissões futuras e deixa alguns alertas. Se as emissões de plástico continuarem com o ritmo actual, os plásticos flutuantes poderão quadruplicar até 2050. E, mesmo que se conseguisse parar de lançar plásticos no oceano até 2020, os microplásticos poderiam ainda duplicar devido à degradação do plástico flutuante mais antigo já no oceano.
“Deveremos trabalhar em políticas para acabar com as emissões de plástico o mais depressa possível, bem como removê-lo do oceano”, avisa Laurent Lebreton. O investigador fez parte da equipa da Fundação The Ocean Cleanup que lançou em Setembro de 2018 um sistema em forma de serpente – o Sistema 001 – para recolher plástico da Grande Mancha de Lixo do Pacífico. Contudo, não se conseguiu praticamente recolher plástico nesta expedição finalizada em Janeiro e o sistema acabou até por se partir. Ao longo da expedição, houve várias críticas ao Sistema 001, porque poderia estar a recolher organismos agarrados ao plástico e não se preocupava em terminar com as emissões de plástico no oceano. Mesmo assim, a Fundação The Ocean Cleanup está a desenvolver um novo modelo do sistema para tentar diminuir o plástico flutuante.