É hora de desobedecer

Em jogo estão os recursos naturais, o equilíbrio de forças, a sobrevivência e a justiça. Então, como nos podemos resignar e conformarmo-nos com um sistema que abre caminho, a toda a velocidade, em direcção ao ecocídio e à catástrofe climática?

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Ines Fernandes

Desobedecer, sim.

Perante o cenário de um futuro caótico e depois de décadas de tentativas praticamente falhadas, só nos resta a desobediência. De forma pacífica, sempre, mas não menos perspicaz.

Parece quase óbvio. Se estivéssemos, num futuro distante, a olhar para trás na História e a ver esta fresta de tempo que estamos a viver, interrogar-nos-íamos sobre o porquê de não termos feito nada. É quase instintivo: em jogo estão os recursos naturais, o equilíbrio de forças, a sobrevivência e a justiça. Então, como nos podemos resignar e conformarmo-nos com um sistema que abre caminho, a toda a velocidade, em direcção ao ecocídio e à catástrofe climática?

A desobediência civil é o acto consciente de um ou mais cidadãos desobedecerem à lei, num acto de protesto político que demonstra desacordo e inconformidade com a ordem estabelecida, existindo várias formas de o concretizar pacificamente. Já Thoreau, no século XIX, usou a desobediência civil como um meio para contestar a guerra americana contra o México, recusando-se a pagar impostos (que financiavam essa mesma guerra). No fundo, a premissa passa por questionar se a lei equivale mesmo à moral, e qual a legitimidade que os cidadãos comuns têm em desobedecer às estruturas superiores quando estas entram em conflito com a sua ética. Como diria Thoreau, o cidadão não pode nunca resignar a sua consciência à legislação, abandonando-a e deixando-a a cargo do poder político. Para além do mais, é até responsável quando apoia os agressores e a injustiça, mesmo sendo este apoio a simples resignação e obediência à lei.

A verdade é que cerca de 100 empresas são responsáveis por cerca de 71% da emissão de gases com efeitos de estufa (GEE) e, enquanto as emissões anuais sobem para recordes históricos, as minas de carvão e as petrolíferas continuam tranquilamente a sua exploração, isentas e impunes de qualquer responsabilização e até, em alguns casos, apoiadas por estados. Talvez a parte mais absurda é que esta situação é, sem dúvida, a ordem dada como normal e até aceitável.

O movimento ecologista surgiu nos anos 70. As emissões globais de GEE aumentaram 75% desde esses anos até 2004, segundo dados do estudo da Netherlands Environmental Assessment Agency.

E agora? Agora, depois de décadas a tentar chamar a atenção para o problema usando o protesto legal, é hora de recorrermos à insubordinação pacífica contra o sistema que permitiu não só que a crise climática se criasse, como a alimentou conscientemente. Serão legítimos os bloqueios a minas de carvão, os acampamentos em prospecções de gás e as obstruções de vias públicas? Sim, sem dúvida. Com certeza não será legítima a destruição do planeta de todos em prol dos interesses de alguns. Aceitar esta situação é compactuar com ela e ser, em parte, responsável e cúmplice da sua continuação e da loucura da crise climática.

A verdade é que a maioria dos cidadãos comuns condena a destruição ávida dos ecossistemas, a exploração frenética dos recursos e o contorno sistemático às normas e leis ambientais em nome dos interesses corporativos, é só verificar a enorme onda de solidariedade após os incêndios na Amazónia. Mas mesmo que estas atrocidades ambientais, inseridas num sistema que as banaliza, vão contra a vontade e a ética dos cidadãos, muito poucos têm a coragem de se insubordinar.

E parece tão óbvio, tão simples, quando olhamos para os livros de História e nos perguntamos o porquê de poucos terem tido a coragem de se revoltar contra a escravidão ou desobedecido ao nacional-socialismo. E vai parecer cristalino quando, por fim, encararmos o futuro que nos espera se não agirmos, olharmos para trás e perguntarmos a nós próprios: porque é que ninguém se insurgiu?

E é tão óbvio: ou é agora ou é nunca. É hora de reunir a nossa coragem.

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