Morreu Daniel Johnston, mestre outsider da melodia e ícone indie
De uma beleza desarmante, quase infantil, a sua música marcou e influenciou a canção americana dos últimos 30 anos.
O músico norte-americano Daniel Johnston morreu aos 58 anos esta quarta-feira. A notícia foi dada pelo The Austin Chronicle e confirmada pela família do músico.
“Morreu de causas naturais na sua casa perto de Houston, no Texas”, disse a família em comunicado. “O Daniel era um cantor, um compositor, um artista e um amigo de todos. Apesar de ter lutado contra problemas mentais durante boa parte da sua vida adulta, o Daniel venceu a doença através da sua produção prolífica de arte e canções. Inspirou incontáveis fãs, artistas e compositores com a sua mensagem de que, por mais negro que seja o dia, ‘the sun shines down on me’ e ‘true love will find you in the end’.”
A sua música, de escassos meios (guitarra acústica, piano, uma voz frágil, pouco mais), quase infantil, dona de uma beleza desarmante, tornou-o um personagem incontornável – e muito influente – da canção americana. A sua arte – clássica e outsider, sem aparente intenção de o ser, imperfeita, inclassificável – era torrencial: assinou 18 discos, mas, segundo disse o irmão Dick ao New York Times, em 2017, terá 1500 cassetes que nunca viram a luz do dia. “Não consigo parar de compor”, afirmou Daniel Johnston. “Se parasse, talvez nada houvesse. Talvez tudo parasse. Por isso não paro. Tenho que continuar.”
O músico de Sacramento começou a dar que falar em Austin, no Texas, graças às cassetes que gravava e produzia em casa – tornou-se assim um símbolo da produção do it yourself (faz tu mesmo). Em 1981, estreou-se com Songs of Pain, voz e piano registadas num gravador de cassetes de 59 dólares, lançado em cassete com arte visual do próprio (feitos a marcador, os seus desenhos tornaram-se tão icónicos como a sua música). Em 2010, lançou o seu 18.º e último disco, Beam Me Up!.
A influência do autor de Some things last a long time foi citada por muitos músicos, nomeadamente Kurt Cobain, que ostentava com frequência uma t-shirt com a capa do disco Hi, How Are You, lançado por 1983 por Johnston, e pôs Yip/Jump Music (do mesmo ano) entre os seus discos favoritos. Tom Waits, TV on the Radio, Wilco, Beck, Yo La Tengo, Sparklehorse e Beach House gravaram versões das suas canções. O português Legendary Tigerman recriou True love will find you in the end no álbum Femina, com a brasileira Cibelle.
Em 1988 Daniel Johnston mudou-se para Nova Iorque para gravar 1990, disco que conta com a participação de Lee Ranaldo e Steve Shelley – sinal de que Johnston era já uma figura de culto na música americana. Mas 1988 foi um ano agridoce: nesse ano foi diagnosticado com esquizofrenia. Foi internado compulsivamente numa instituição psiquiátrica depois de dar um concerto em Austin, em 1990. Na década de 90, o culto e a publicidade de gente como Kurt Cobain levaram-no a editar por uma multinacional – uma aventura curta, de um só disco (Fun, de 1994).
Em 2005, a vida e a obra do músico, que também sofria de doença bipolar, foi alvo de um documento, The Devil And Daniel Johnston (Loucuras de um Génio, em Portugal), realizado por Jeff Feuerzieg. Esta tumultuosa vida interior (que, por vezes, se transformava em surtos psicóticos) entrava nas suas canções: “O desespero bateu-me à porta e eu deixei-o entrar por instantes”, canta em Despair came knocking de Hi, How Are You. “Sentou-se no sofá e começou a fumar. Ele não disse nada.”
Daniel Johnston actuou em 2013 no Porto, no Festival Primavera Sound. Depois de complicações no seu estado de saúde, fez a sua última digressão em 2017. “A coisa mais incrível é que metade destas canções sejam os mesmos três acordes”, disse ao New York Times Doug Martsch, dos Built to Spill, que o acompanhou nessa digressão.
No ano seguinte, a cidade de Austin baptizou o dia 22 de Janeiro (dia do seu aniversário) como o Hi, How Are You? Day.