Há um “novo associativismo” no Porto. E isso pode ajudar no “renascimento” da cidade

Helder Pacheco apresentou resultados da primeira edição do programa camarário de apoio ao associativismo, cujo júri presidiu. Câmara vai apoiar 24 das 90 associações que se candidataram. Historiador elogiou iniciativa, mas pediu reforço financeiro.

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Reentré política no Porto aconteceu esta segunda-feira e trouxe o associatismo como tema forte da agenda Paulo Pimenta

Foram 90 as candidaturas apresentadas ao Fundo Municipal de Apoio ao Associativismo Popular e 33 as classificadas pelo júri como meritórias de receber ajuda. Para isso, no entanto, seriam necessários 680 mil euros e a Câmara do Porto atribuiu à primeira edição deste concurso 400 mil. Para responder a este dilema, o júri, presidido pelo historiador Helder Pacheco, teve de fazer uma “segunda triagem”, atribuindo pontuação aos projectos apresentados e seleccionando os mais bem qualificados. Foram 24 os apoiados.

O associativismo havia sido o primeiro tema de debate na reunião de câmara desta segunda-feira, que marcou a rentrée política no Porto. Ainda antes dos temas previstos em agenda, onde se incluía o balanço feito por Helder Pacheco, a vereadora Ilda Figueiredo apresentou uma “proposta de recomendação” sobre o mesmo assunto. Os 400 mil euros, considerou a comunista, são “insuficientes” face à “carência” de muitas associações e como se percebe pela percentagem de candidaturas recusadas: “Mais de 60%”, contabilizou. Criar um “gabinete de apoio ao associativismo” pode ser uma ajuda para estas entidades. E em 2020, propôs, a dotação orçamental do plano deve subir para “um milhão de euros”.

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Resultados de concurso de apoio ao associativismo foram apresentados e votados com unanimidade Paulo Pimenta

Helder Pacheco não arriscou quantias. Mas perante a incapacidade de apoiar todos aqueles que mereciam, não escondeu a necessidade de dar ao fundo mais capacidade de resposta. Entre elogios à equipa de Rui Moreira, que aceitou pôr em marcha uma proposta originária da CDU, deixou uma mensagem: “A câmara deve continuar e ampliar este esforço de apoio ao associativismo.”

Congratulando-se com as palavras lisonjeiras de Helder Pacheco, uma versão que diz ver pouco exposta na comunicação social, o presidente Rui Moreira sublinhou que este fundo é apenas uma das iniciativas camarárias de apoio às associações da cidade e foi desenhado para ser “complementar” aos auxílios regularmente levados ao executivo – como um dado esta segunda-feira à Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Em Portugal, lamentou, há “terror ao mérito”. Mas este concurso queria exactamente sublinhá-lo: “Queria dar os parabéns às instituições que apresentaram candidaturas e ganharam.”

A refutação não afastou, no entanto, um aumento da verba para a próxima edição. Prometendo tentar esse aumento financeiro e uma simplificação do regulamento (alguns candidatos queixaram-se do processo), Rui Moreira aceitou repensar um apoio aos oito excluídos que inicialmente tinham recebido luz verde do júri. Fica a esperança para essas no ar, com a aprovação para as recentes a ser dada por unanimidade por todos os partidos (com uma declaração de voto do PS, onde se deixou lavrada a proposta de fortalecer o orçamento no próximo ano).

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Helder Pacheco fala num novo associativismo, mais ligado à classe média e com novas causas Paulo Pimenta

Helder Pacheco, autor de mais de 40 livros (quase todos sobre o Porto), viu-se testemunha de uma nova realidade ao analisar as candidaturas a este projecto. E foi uma surpreendente felicidade. “Há um novo associativismo a crescer no Porto”, disse ao PÚBLICO já depois da ida à reunião de câmara, a sua primeira vez na “casa da democracia” portuense. É um associativismo “de classe média”, e “não apenas popular”, com propósitos renovados. O historiador consulta a lista das 24 apoiadas para tentar dar corpo ao que diz. E exemplifica.

A Moving Causes, que pediu apoio para fazer oficinas de agroecologia, a Associação Portuguesa de Deficientes, com um projecto de desporto inclusivo, a Associação de Artes Performativas Novo Acto, ou o Teatro Independente de Paranhos, com planos de um espectáculo inclusivo. São projectos culturais, assistenciais, pensados para ocupação de tempos livres, muitas vezes dirigidos a jovens. E isso mostra uma mudança na sua função.

No Porto, o associativismo nasceu nos anos 50 e 60 do século XIX e é um sobrevivente de “diversas crises”. Até ao final do século XX, eram ainda as “velhas associações operárias, algumas do comércio e as desportivas” quem mais terreno tinha. E durante o Estado Novo o associativismo “refugiou-se” precisamente na criação de clubes desportivos, em grupos excursionistas e nas cruzadas de bem-fazer, surgidas “por acaso” depois de um grupo de amigos “que devia estar a discutir política” num tasco ter sido detido pela PIDE. Quando foram presentes a tribunal, conta Helder Pacheco, disseram que estavam a tentar fundar uma cruzada para ajudar os pobres da freguesia. Resultado? “O juiz António Quintela deu um grande raspanete à PIDE e a partir daí foram criadas dezenas de cruzadas de bem-fazer.”

Já depois de Abril se cumprir, as associações viraram-se para a questão da habitação. Mas a desindustrialização da cidade foi-lhe roubando chão. Não há muito tempo, Helder Pacheco esteve num debate onde se lamentava a crescente dissolução das associações. “E estiveram mesmo a acabar”, afiança, para se congratular, agora, com este novo mundo descoberto. “As associações estão vivas e a adaptar-se. É uma excelente notícia para a saúde cívica da cidade.”

No capítulo final do seu último livro, Helder Pacheco fez uma espécie de “testamento espiritual sobre o futuro” do Porto. Nele, deixava o elogio à urbe com um edificado reconstruído e apelava a uma reinvenção da sua alma. Não a antiga – porque “o mundo mudou e a cidade está a mudar” – mas uma outra: mantendo tradições e inventando novas. O associativismo, diz agora, pode ser peça importante nesse puzzle. Se “este movimento se espalhar pela cidade”, talvez possa ser mais um sublinhado no seu “renascimento”.

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