O país perdulário da Linha do Douro
Permitir que o comboio viaje até Espanha numa das mais belas linhas ferroviárias da Europa daria um novo fôlego a uma região rica que, paradoxalmente, continua na cauda dos rendimentos a nível nacional.
Depois de anos a provocar a paciência dos cidadãos com promessas vagas sobre o desenvolvimento do interior, os partidos e os seus dirigentes têm por estes dias uma excelente oportunidade de passar das palavras aos actos. Não por piedade, mas por puro interesse público. A petição que propõe a recuperação dos 28 km da Linha do Douro até Barca de Alva devia ser apoiada como um investimento crucial para o desenvolvimento de uma das regiões mais deprimidas do país.
A obra, que custaria 43 milhões de euros, de acordo com um estudo de Infraestruturas de Portugal (IP) ou 163 milhões, na análise da Comissão Europeia, representa uma fatia irrelevante das propostas dos partidos para o investimento público (10 mil milhões de euros, na do PS, por exemplo). Face a esta relação entre custos e benefícios, por que razão a obra não avança?
Não, não se trata de uma visão idílica do problema nem se procura uma solução que esteja apenas nas mãos do governo – Espanha e a União Europeia têm de cooperar. O investimento é validado por estudos da IP e pela Comissão Europeia, que considera a ligação a Espanha via Barca de Alva um dos dois elos perdidos nas ligações fronteiriças europeias. E se a IP tratou de esconder o seu estudo para calar os que reivindicam a recuperação da linha, Bruxelas abriu com o seu parecer as portas do cofinanciamento comunitário. Se, em simultâneo com a ligação até Barca de Alva, os espanhóis decidissem recuperar os seus 77 km de linha da fronteira até Fuente de San Esteban, o Douro e o Norte ficariam mais acessíveis aos mercados de Castela. E a ligação ferroviária entre o Porto e a Espanha seria encurtada em 103 km.
A abertura internacional da Linha do Douro seria assim um bálsamo para uma das poucas realidades com as quais podemos impressionar o mundo, como dizia Miguel Torga. O Douro vinhateiro e os três patrimónios mundiais que existem ao longo do vale (o Porto, o vinhedo e as gravuras de Foz Côa) são um recurso para o desenvolvimento da região e do país. A procura internacional de turistas explodiu e as exportações de vinho estão em alta.
Reverter o erro do fecho em 1988 e permitir que o comboio viaje até Espanha numa das mais belas linhas ferroviárias da Europa daria um novo fôlego à tendência e mataria um paradoxo: o Douro rico no vinho, no turismo ou na energia é das regiões mais pobres do país. Basta que haja inteligência, vontade política e coerência: o interior não pode continuar a ser palavra oca no discurso político.