De lanterna no Museu Nacional de Arte Antiga, à procura do macabro
Cabeças degoladas, os padecimentos do inferno: não era um filme de terror, era uma visita guiada a um museu às escuras. A inédita sessão da noite de quinta-feira foi o aquecimento para o festival de cinema de terror MOTELX, que começa no dia 10.
Quinta-feira à noite em Santos, Lisboa. Pouco antes da meia-noite, um grupo de 31 pessoas, acompanhadas por uma equipa do MOTELX e por funcionários do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), incluindo os directores de ambos, juntam-se à porta do museu. O pretexto? Pesadelo no MNAA, o primeiro dos eventos de aquecimento para o festival de cinema de terror lisboeta cuja 13.ª edição decorre entre 10 e 15 de Setembro e tem como convidados principais Ari Aster, o realizador de Hereditário e do novo Midsommar: O Ritual, e Jack Taylor, o mítico actor americano de cinema de género radicado em Madrid.
Pesadelo no MNAA, cujas inscrições esgotaram num ápice (como aliás algumas sessões do festival), propunha que aquela comitiva parada na Rua das Janelas Verdes embarcasse numa visita guiada, percorrendo, em pouco mais de uma hora, várias salas e andares do museu para observar o que de mais macabro e aterrorizador pode ser encontrado na colecção permanente do MNAA – com direito a ocasionais gritos de agonia, bem como a outros apontamentos assustadores, entre portas a fazerem barulho, silhuetas tenebrosas e panfletos espalhados no chão. Os telemóveis ficaram desligados, bloqueando o contacto com o mundo exterior, e as mochilas nem sequer entraram.
Vestidas de preto e maquilhadas a rigor, as guias explicaram, diante de obras como o tríptico Tentações de Santo Antão, de Hieronymus Bosch, os pecados de O Inferno, de autor desconhecido, ou Salomé com a Cabeça de São João Baptista, de Lucas Cranach, de onde vem a atracção humana pelo sofrimento dos outros, como é que o acervo do museu o representa e qual é a ligação entre estas obras e o universo do cinema de terror. Quase sempre iluminadas apenas por uma lanterna, as pinturas ganharam uma nova perspectiva. No final, forçando o carácter arrepiante do evento, as guias ficaram paradas, imóveis, em frente às obras, enquanto as pessoas saíam.
Horas antes, ao telefone, Joaquim Caetano, director do museu desde Junho, disse ao PÚBLICO que não é contraditório um museu com falta de pessoal e de dinheiro, e que regularmente fecha dezenas de salas por não ter vigilantes suficientes, abrir à noite para receber visitantes. "É um evento fechado. As pessoas entram na hora certa, num grupo limitado, com condições de segurança. Têm de apresentar documentação, tudo assegurado pelo MOTELX”, explicou, detalhando as medidas de precaução que precederam o evento. Além disso, frisou, a visita abarcava apenas algumas salas: “Para estar o museu completamente aberto, seria muito mais difícil.” A equipa destacada para a visita, que acompanhou o grupo em permanência, incluiu trabalhadores do serviço educativo, os quatro vigilantes nocturnos que trabalham lá todas as noites e ainda dois técnicos, para darem apoio.
O aquecimento para o 13.º MOTELX, que também celebrará os 40 anos de Alien – O Oitavo Passageiro e os 60 de Plan 9 From Outer Space, não se fica por aqui: esta sexta-feira, no Convento de São Pedro de Alcântara, há um cine-concerto do pianista Filipe Raposo, O Piano Afinado pelo Medo; no sábado, uma projecção ao ar livre de Ed Wood (1994), o filme de Tim Burton sobre o realizador homónimo, tomará conta do Largo Trindade Coelho. Também não é a última vez que os destinos do festival e do MNAA se cruzam: na manhã do último dia do festival, volta a haver uma visita guiada, desta vez para crianças, Criaturas à Espreita.