Violência doméstica: presidente da Comarca do Porto desvaloriza formação para juízes

António Rodrigues da Cunha afirmou que os magistrados têm mais formação do que qualquer outra profissão a nível judiciário e que existem “necessidades mais importantes” do que formar quem já tem instrução aprofundada.

Foto
FERNANDO VELUDO/ NFACTOS

O presidente da Comarca do Porto,​ António Rodrigues da Cunha, disse esta segunda-feira existirem “necessidades mais importantes” do que formar quem já tem formação aprofundada em diferentes áreas, referindo-se ao diploma que assegura formação obrigatória aos magistrados em matéria de violência doméstica.

“Não há ninguém em Portugal melhor formado a todos os níveis de jurisdições do que os magistrados. Toda a formação é bem-vinda, mas que não se tente passar a ideia, como erradamente acontece muitas vezes, de que há falta de formação e que os magistrados não estão formados”, disse aos jornalistas à margem da tomada de posse dos juízes do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.

António Rodrigues da Cunha reforçou que os magistrados estão formados, tendo mesmo mais formação do que qualquer outra profissão a nível judiciário. O diploma que assegura formação obrigatória aos magistrados em matéria de direitos humanos e violência doméstica foi publicado esta segunda-feira em Diário da República (DR).

A lei agora publicada determina que as acções de formação contínua podem ser de âmbito genérico ou especializado, podendo ser especificamente dirigidas a determinada magistratura, e devem incidir obrigatoriamente na área dos direitos humanos e, no caso dos magistrados com funções no âmbito dos tribunais criminais e de família e menores, obrigatoriamente sobre violência doméstica.

Na opinião do juiz presidente existem necessidades mais importantes do que formar quem já tem formação aprofundada em diferentes áreas. “Seria melhor deixar de fazer cortes em investimentos que são fundamentais e não camuflar algumas situações através de medidas avulsas que não irão adiantar nada”, reforçou.

“O problema da violência doméstica sempre existiu e existe em todos os países, não sendo por haver mais ou menos formação que esta vai terminar”, considerou, frisando que nem os magistrados, nem os agentes policiais estão nas casas onde esses crimes acontecem para os evitar.

António Rodrigues da Cunha entendeu que este problema tem de ser resolvido a montante.

Esta legislação que altera a formação dos magistrados foi aprovada pelo parlamento a 19 de Julho último e promulgada a 9 de Agosto pelo Presidente da República. A lei entra em vigor esta terça-feira, dia 3 de Setembro.

Acórdãos polémicos

Nos últimos anos, vários acórdãos do Tribunal da Relação do Porto têm gerado polémica por desvalorizarem agressões graves a mulheres no contexto de violência doméstica.

Em 2017, o juiz Neto de Moura, que redigiu a decisão, e uma colega, Maria Luísa Arantes, desvalorizaram uma agressão de um marido por considerarem que a mulher era adúltera. No acórdão lia-se: “O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte. Ainda não foi há muito tempo que a lei penal punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse acto a matasse”.

Noutro acórdão que proferiu no final de Outubro de 2018 sobre um homem que rebentou um tímpano à mulher ao soco, o mesmo juiz retirou ao agressor a pulseira electrónica que os colegas de primeira instância lhe tinham aplicado para garantirem que não se voltava a aproximar da vítima, depois de o terem condenado a uma pena suspensa.

Noutro caso recente, uma mulher de 26 anos foi violada por dois homens quando se encontrava desmaiada na casa de banho de uma discoteca. Os violadores foram o barman e o porteiro da mesma discoteca. Os factos, ocorridos em Vila Nova de Gaia, foram dados como provados pela justiça, mas os criminosos ficaram em liberdade com pena suspensa, uma sentença confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, que considerou que “a ilicitude [praticada] não é elevada”, uma vez que “não há danos físicos [ou são diminutos] nem violência”. O acórdão foi assinado por dois magistrados, sendo que um deles é o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Manuel Ramos Soares.