Privados propõem limites à rentabilidade das concessões de água
Concessões existentes têm condições contratuais que colocam o risco do lado dos municípios. Há vários contratos envolvidos em polémica e o sector privado percebe que só conseguirá acesso a novos mercados se as regras forem melhor definidas à partida.
A Associação de Empresas Portuguesas para o sector do Ambiente (AEPSA) entregou ao Governo uma proposta de alteração legislativa ao regime jurídico que enquadra os serviços de abastecimento de água, na qual propõe a “limitação da rentabilidade contratual” nas concessões municipais, para evitar situações como as descritas pelo Tribunal de Contas, numa auditoria de 2014. Segundo o presidente da AEPSA, nessa proposta legislativa os privados defendem, por exemplo, “que que deve haver uma matriz de risco bem definida e o mais exaustiva possível, bem como devem ser definidos objectivos de desempenho, com penalizações no caso de estes não serem atingidos”.
A auditoria de 2014
Numa auditoria aos 27 contratos de concessão de água a privados que existiam em 2014, o Tribunal de Contas alertava para um desequilíbrio comum a quase todos os compromissos entre as autarquias e as concessionárias: a ausência de partilha de riscos, que recaem, quase sempre, para o sector público. “Na maioria dos 27 contratos de concessão de água a privados, as câmaras assumiram a responsabilidade de indemnizar as empresas concessionárias pelas reduções no consumo face aos valores estimados no contrato, além de outros riscos relacionados com a construção e exploração dos sistemas”, lia-se na notícia do Público sobre essa auditoria.
Muitos dos contratos foram feitos sem um estudo de viabilidade económico-financeira que suportasse a repartição de responsabilidades e, segundo o TdC, previam taxas de rentabilidade interna, para o concessionário, que nalguns casos superavam os 15%. E previam também, como continuam a prever, a possibilidade do reequilíbrio económico-financeiro da concessão, a pedido de qualquer das partes, se os pressupostos de partida se alterarem. Um deles era, invariavelmente, o consumo de água pelos clientes que, explicava então o TdC, estavam “abaixo do previsto em mais de 20%” em Barcelos, Paços de Ferreira, Paredes, Carrazeda de Ansiães e Marco de Canavezes”.
Nos últimos anos, várias câmaras, como Barcelos, Carrazeda de Ansiães ou Mafra, tentaram reverter a concessão antes do seu término, mas só Mafra o conseguiu. Outras negociaram alterações bem-sucedidas e outras ainda estão a braços com críticas da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Saneamento (ERSAR) às medidas de correcção que entretanto assumiram. É o que acontece em Paços de Ferreira - cujo município, farto de aparecer no topo das listas dos concelhos com água mais cara, avançou com alterações ao contrato e mexeu nas tarifas, sem acordo da ERSAR - e também em Vila do Conde.
Relativamente a este concelho, onde uma petição pública levou, no ano passado, à discussão dos problemas da concessão de água numa assembleia municipal, a revisão levada a cabo no contrato, no início deste ano, por acordo entre as partes, mereceu um parecer muito negativo da ERSAR, revelou na semana passada o Jornal de Notícias. O parecer, que tal como a auditoria do Tribunal de Contas, aponta para um nunca resolvido desequilíbrio nos riscos da concessão, em favor da empresa que explora o sistema, chegou meses depois do acordo e aprovação, em reunião de câmara, das alterações ao tarifário. E as suas conclusões são contestadas quer pelo município, quer pela empresa Indáqua.
Barcelos comprou parte da empresa local
Concessionada em 2005 à empresa Águas de Barcelos, então detida pela empresa AGS, do grupo Somague, (75% do capital) e pela empresa de construção civil ABB (25%), a rede de águas e saneamento de Barcelos é agora propriedade da autarquia, em parte. A Assembleia Municipal aprovou, em 30 de Novembro de 2017, a proposta do executivo liderado por Miguel Costa Gomes para comprar 49% do capital por 59 milhões de euros, que foi viabilizada posteriormente pela ERSAR em Janeiro de 2019.
Essa verba vai ser assegurada, em grande parte, por um empréstimo bancário de 50,5 milhões, confirmado em Abril de 2019. Com ele, a câmara vai 36 milhões de euros destinam-se à compensação que a autarquia tem de pagar pelas dívidas de longo prazo contraídas pela Águas de Barcelos. Os problemas financeiros da empresa surgiram da discrepância entre o consumo previsto na altura em que o contrato foi assinado – estimou-se que o consumo médio diário por pessoa rondava os 114 litros em 2001 e iria crescer até aos 165 litros, em 2018 – e os valores reais, que eram de 75 litros por dia, em 2009.
A Águas de Barcelos quis aumentar o preço da água em 38% para se reequilibrar financeiramente, em 2009, mas Miguel Costa Gomes, eleito nesse mesmo ano, prometeu passar a água e o saneamento para a esfera da autarquia. Não o conseguiu, porque um tribunal arbitral e, posteriormente, o Tribunal Administrativo do Norte obrigaram a Câmara a pagar 172 milhões de euros, mais juros, à empresa, até 2035. A sentença, que com juros poderia elevar o prejuízo municipal aos 217 milhões de euros não chegou a ser aplicada graças a uma negociação e acordo entre as partes que redundou na solução que acabou por ser aplicada. Com João Pedro Pincha, André Borges Vieira e Tiago Mendes Dias