Pus-me a pensar. Se a vida fosse um sinal de pontuação, qual seria? Talvez um ponto de exclamação, para assinalar os momentos de êxtase, ou uma vírgula, para pautar o ritmo das intermitências da existência. Certamente, um dia (longínquo de preferência) será um eterno ponto final. De qualquer das formas, antes de chegarmos ao fim, julgo que podemos afirmar que a vida se trata tão somente de um tremendo ponto de interrogação. Somos feitos de dúvidas, incertezas e inseguranças. Não sabemos o que vai acontecer e isso afugenta a paz de espírito. Será possível desconhecer o destino e, ainda assim, caminhar de forma serena?
Antes de nos encontrarmos, todos já nos sentimos perdidos. Não sabemos para onde ir, o que fazer ou dizer, com quem estar ou que decisões tomar. As possibilidades são infinitas e nós queremos tomar a melhor decisão para que tudo seja perfeito, mas nem sempre é possível. Na grande maioria das vezes, não estamos munidos da experiência, maturidade e autoconhecimento suficientes. Faltam-nos peças para completar a escolha. É daqui que, muitas vezes, nasce o stress e a ansiedade para, mais tarde, darem origem à frustração e ao arrependimento que, infelizmente, têm a capacidade de atormentar vidas inteiras.
Na minha opinião, o primeiro passo para serenar tudo isto é parar. Devemos estar mais vezes connosco e matar as saudades que sentimos de nós próprios. Mesmo que sejam inconscientes, elas estão lá. Têm ideia da última vez que marcaram um encontro convosco? É importante fazer este exercício. Eu demorei 26 anos até perceber que existem destinos onde o piloto automático não nos consegue levar. Se não formos nós a assumir o comando, corremos o risco de completar a travessia numa rota que não era a nossa.
Durante essa fase da minha vida, nunca me questionei o suficiente nem dei ouvidos àquilo que sentia. Andei na escola até ao 12.º ano porque era o que todos os miúdos faziam. Fui tirar um curso, para poder ser alguém. E, por fim, pus-me a trabalhar para ganhar dinheiro. Até aqui, tudo muito simples, aparentemente. Ir ao sabor da sociedade era o suficiente para sobreviver. Contudo, após alguns anos no mercado de trabalho, comecei a sentir-me preenchido por um tremendo vazio. Ao contrário daquilo que aconteceu no passado, os next steps não eram óbvios. Não tinha ninguém para escolher por mim. E agora?
Fui de emprego em emprego, em busca de uma satisfação que tardava em aparecer. Culpei os colegas, os chefes, a família, os amigos e o mundo. Sentia-me perdido, sem um rumo claro. Não queria colocar a hipótese do “culpado” ser eu. Assumir que somos os únicos responsáveis pelas nossas vidas pode doer imenso. Principalmente, quando passamos a grande maioria do tempo a ignorar todos os sinais internos e externos. Tinha atingido o meu ponto de ebulição, não dava para continuar assim. Fui obrigado a parar. Despedi-me e decidi dedicar-me à pessoa que já era, mas que eu ainda não sabia.
Quando, finalmente, despimos o avental e paramos de confeccionar uma receita para a felicidade que não é nossa, tudo muda. Começamos a descobrir novos ingredientes e utensílios que nunca tínhamos usado. Tudo é diferente e novo. Sentimo-nos mais entusiasmados! A vida não se torna perfeita, nem estamos sempre felizes, até porque isso não existe. Porém, fica mais fácil viver por uma simples razão: estamos a respeitar-nos. Independentemente das consequências que isso possa provocar, a tranquilidade da consciência essa ninguém nos tira. E, pelo menos para mim, é esse o pilar de uma vida mais equilibrada, serena e, potencialmente, feliz.
Mesmo quando nos começamos a encontrar, a dúvida nunca deixa de estar na nossa sombra. E ainda bem que assim é! Já imaginaram um mundo em que todas as pessoas já soubessem tudo o que precisavam? Seria profundamente aborrecido… A aceitação tem sido das melhores formas de abraçar a incerteza. Quando interiorizamos que tudo é o que é, libertamos-nos das amarras da ansiedade. Os rótulos “bom” ou “mau” somos nós que os colocamos. Se tivermos o discernimento de atribuir um significado positivo ao que nos acontece, certamente iremos viver de forma mais sábia, ponderada e leve. Isto não se trata apenas de palavras bonitas que, invariavelmente, podem levar alguns cépticos a catalogar esta reflexão de esotérica e infundada. Recomendo, seriamente, que cada um experimente encontrar sempre um significado positivo naquilo que o rodeia e se deixe espantar com os resultados.
Sentirmos-nos perdidos também pode ser algo bom. Apesar do desconforto que provoca, devemos ficar orgulhosos de nós mesmos. Afinal de contas, só se sente desorientado quem consegue colocar em causa a sua situação actual e tem a ambição de evoluir. Este é, sem dúvida, o ponto de partida para uma vida melhor. Quem assume e aceita que está perdido aumenta, exponencialmente, as probabilidades de se encontrar. Aqueles que se conformam em viver pela metade, nunca vislumbrarão as maravilhas que a vida lhes reserva. São escolhas e, felizmente, cada um faz as suas.
“O apressado come cru” — gosto imenso desta expressão. Não vale mesmo a pena querermos acelerar nada, cada coisa a seu tempo. Todas as vidas têm um ritmo único que merece e deve ser respeitado. O desafio é este mesmo: reconhecer e aceitar o nosso ritmo e viver de forma equilibrada. É nesta dança entre o ficar para trás e o sermos apressados que a vida acontece. Quando saímos, nem sempre precisamos de saber para onde ir. Cada vez acredito mais que perdermos-nos pode ser a melhor forma de nos encontrarmos.