Contrato assinado e verba reforçada: “mais um passo” para a ala pediátrica do São João
Governo vai investir 25 milhões de euros na construção da ala pediátrica da unidade hospitalar do Porto. Novo espaço terá 98 camas e uma unidade de queimados. Obras devem arrancar ainda este ano e estar prontas em 2021
O dia era de celebração e de “olhar para o futuro”. Mas de tanto se repetir essa ideia, a necessidade de espreitar pelo retrovisor tornou-se óbvia na cerimónia de assinatura do contrato para a construção da ala pediátrica do Hospital São João. Ou não tivessem passado onze anos desde a promessa de oferecer às crianças e pais da zona norte um espaço pediátrico com as valências necessárias. Com “mais um passo” dado, a Ministra da Saúde, Marta Temido, anunciou esta sexta-feira um reforço da verba para esta empreitada – de 22,5 para 25 milhões de euros – e assumiu como data do início dos trabalhos ainda este ano. Em 2021, o Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ) terá, finalmente, um novo edifício, ligado ao actual, com cinco pisos, 98 camas e uma inovadora unidade de queimados.
A vantagem de olhar para o passado, disse Marta Temido durante a cerimónia, é “retirar dele ensinamentos”. E nesta “viagem”, a ministra aprendeu que preparando a expedição “podemos fazer o caminho em menos tempo”. Uma admissão de erro – ou pelo menos de que, com “os olhos de hoje”, algo poderia ter sido “feito de outra maneira” – de quem assumiu a pasta da Saúde apenas em Outubro passado, mas andou nos meandros da novela muito antes disso.
Em 2017 – naquele mesmo anfiteatro que esta sexta-feira se encheu de gente, balões e até crianças internadas no hospital – , a então representante da Administração Central dos Sistemas de Saúde considerava o projecto “urgentíssimo”. Era ministro Adalberto Campos Fernandes e ficava lavrada a promessa de fazer todos os esforços para levar o projecto avante.
Durante uma década, o serviço pediátrico do CHUSJ funcionou em contentores. Sob protestos dos pais das crianças seguidas na unidade, sobretudo daquelas com doença oncológica, que se queixavam das condições extremamente precárias do espaço. Em Julho, os 36 contentores, que tinham um custo anual de quase cem mil euros, foram desmontados e as crianças passaram para o edifício principal.
A associação de pais de crianças tratadas no São João tinha acusado a ministra de “deixar na gaveta” o memorando que dava luz verde ao projecto. Depois de fases “muito complicadas” ultrapassadas, Jorge Pires sublinhou a importância da “luta por esta causa” e deixou uma pergunta no ar: “Se não fossem os pais, em Abril de 2018, a lançar esta polémica mediática o que teria acontecido?”. Apesar de não haver prazo certo para a obra começar, o representante da associação acredita que não haverá, agora, mais entraves no processo. E deixou uma palavra para quem mais importa: “Quem está de parabéns são as crianças que finalmente vão ter condições dignas para serem tratadas.”
Dizendo também não querer esgaravatar o passado, o presidente do conselho de administração do CHUSJ, Fernando Araújo, não resistiu em deixar algumas mensagens para os muitos que se enganaram ao longo deste processo. Ora criando obstáculos, ora vaticinando a impossibilidade de levar avante aquele sonho. A melhor resposta, sublinhou o ex-secretário de Estado Adjunto da Saúde, é “fazer acontecer”.
O terreno onde a construção terá lugar, no corpo poente do hospital, ficou disponível após uma decisão de Junho do Tribunal Judicial da Comarca do Porto. E a urgência da obra levou até o Orçamento do Estado para 2019 a autorizar o CHUSJ a recorrer a um ajuste directo. No entanto, não foi assim concretizado. Constituído um grupo de trabalho, presidido pelo presidente do conselho directivo da região Norte da Ordem dos Engenheiros, Joaquim Poças Martins, convidaram-se 14 empresas a apresentar projectos para esta empreitada com uma “especial complexidade técnica”. Só quatro delas o fizeram. E a Casais – Engenharia e Construção, S.A saiu vencedora.
Ilídio Pelicano, arquitecto do projecto, mostrou, orgulhoso, o desenho feito no seu atelier. Com uma área de implantação de 3287 metros quadrados, esta unidade com cinco pisos acima da soleira e três abaixo, estará “conectada com todos os níveis do hospital” e terá, no total, 98 camas. No segundo piso, o da entrada, haverá espaço para uma recepção, valência até agora não existente e proposta pela comissão de acompanhamento deste projecto. Está prevista uma ludoteca, uma unidade de queimados (com cinco camas), zona de internamento diferenciado, bloco operatório, áreas de recobro, gabinetes médicos. E o primeiro piso ficou preparado para “uma eventual expansão para consultas externas”.
Agora só faltam mais 100 milhões
Aproveitando a presença da ministra da saúde, o director da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Altamiro da Costa Pereira, quis deixar uma provocação: num hospital com 60 anos cumpridos, já se exigia uma “renovação” do edifício. “Peço um investimento na próxima legislatura para tornar mais dignas as condições de trabalho do pessoal”, disse, atirando para os “100 milhões” o valor necessário para essa empreitada. E deixando desde logo uma resposta a quem lhe pudesse falar de falta de verbas. O dinheiro “não é um problema”. As prioridades sim: “E isso é estabelecido pelo Governo.”
Prometendo estar ao serviço do “povo”, como Altamiro da Costa Pereira lhe pediu, a ministra elogiou a “cooperação” conseguida nos últimos tempos para tornar possível a ambição desta nova ala pediátrica. Um grupo de crianças internadas no hospital entrou na sala, emocionou parte da plateia e ofereceu à ministra um ramo de flores e um quadro colorido por elas pintado. “Vamos a isto”, concluiu Marta Temido, “esta foi só mais uma etapa”.