Ex-número dois das FARC anuncia regresso às armas na Colômbia
Num discurso em vídeo, Iván Márquez, o principal negociador do acordo de paz de 2016, diz que o Estado traiu a antiga guerrilha. Líderes políticos das FARC dizem que está “muito desligado da realidade que se vive no país”.
Iván Márquez, o principal negociador das FARC no acordo de paz assinado com o Estado colombiano em Novembro de 2016, apareceu num vídeo em que anunciou “uma nova etapa da luta armada”. Num discurso de 30 minutos, diz que o Estado “traiu” o acordo de paz que ajudou a negociar.
Márquez é o nome de guerra de Luciano Marín Arango. Era o número dois da guerrilha marxista que durante cinco décadas enfrentou o Estado e que com o acordo de paz se transformou num partido com representação parlamentar. Apesar de deputado, o seu paradeiro era desconhecido há um ano. Ressurgiu agora, com cerca de uma dezena de homens e mulheres com roupa de combate, onde se destacam dois outros antigos guerrilheiros conhecidos e que têm problemas com a justiça colombiana, Jesús Santrich, e El Paisa, diz a BBC.
“Nos últimos dois anos, mais de 500 activistas sociais foram mortos e 150 guerrilheiros morreram, perante a indiferença e a indolência do Estado”, afirma Márquez. Esta é uma ferida aberta para as FARC – em Junho, o líder do partido FARC, Rodrigo Londoño, hoje senador, escreveu uma carta aberta ao Presidente Iván Duque, crítico do acordo de paz, pedindo-lhe que seja mais activo na defesa dos ex-guerrilheiros e das suas famílias.
Desde o início do processo de normalização política que os candidatos das FARC têm sido alvo de agressões – afinal, os eleitores colombianos rejeitaram o acordo de paz em referendo não vinculativo. Mas a violência parece ter-se intensificado desde que o Presidente que assinou o acordo, Juan Manuel Santos, deixou o cargo e foi substituído por Duque.
Agora, o guerrilheiro dissidente afirma que vai seguir uma estratégia diferente do antigo grupo de guerrilha. Iván Márquez diz que a nova guerrilha – que terá o mesmo nome que a antiga, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-Exército Popular – apenas “responderá a ofensivas”. Para obter financiamento não fará raptos para obter resgates, prometeu. Em vez disso procurará “o diálogo” com proprietários rurais e empresários, para “os convencer a contribuir” para a sua causa.
O senador Londoño, que nos tempos de guerrilha era conhecido como Timochenko, considerou que não há volta atrás para as FARC. “A grande maioria continua comprometida com o acordado. Apesar de todas as dificuldades e perigos, estamos com a paz”, escreveu na sua conta de Twitter. Sobre o seu ex-companheiro dissidente, disse parecer estar “muito desligado da realidade que se vive no país”.
Este grupo dissidente terá de facto alguma capacidade de alterar a situação na Colômbia? O analista Sergio Guzmán, director da consultora Colombia Risk, explicou ao El País que não terão capacidade para enfrentar o Estado nem afectar o equilíbrio de poderes actual. “Não têm uma aliança militar com o Exército de Libertação Nacional [outra guerrilha marxista que ainda opera na Colômbia] nem com a Venezuela”, afirma.
Esses factores podem alterar-se, mas o mais importante, adianta Guzmán, é que têm “uma leitura da situação política completamente deficiente, que põe em perigo todos os ex-combatentes e os que dizem defender, em vésperas das eleições locais”, que se realizam a 27 de Outubro.