Laboratório que provocou a “síndrome do lobisomem” em 17 bebés espanhóis não tem produtos à venda em Portugal

Empresa de Málaga está com actividade suspensa desde Julho. Substância indicada para o combate à calvície estava a ser vendida como se fosse um princípio activo indicado contra o refluxo gástrico.

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Os pediatras das crianças alertaram as entidades responsáveis que iniciaram a investigação Daniel Rocha

Um laboratório com actividade suspensa por ter provocado hipertricose (distúrbio também conhecido por “síndrome do lobisomem") em pelo menos 17 bebés espanhóis não tem qualquer produto à venda em Portugal, garantiu ao PÚBLICO fonte do Infarmed. O caso ainda está em investigação em Espanha e, apesar de o crescimento excessivo de pêlo dever desaparecer espontaneamente nos próximos meses, não se sabe ao certo o efeito que a toma de um princípio activo errado poderá causar nas crianças afectadas.

O caso está esta quarta-feira nas edições online dos principais jornais espanhóis, mas a existência de um problema com lotes provenientes do laboratório Farma-Química Sur, de Málaga, já era conhecido do Infarmed desde o início de Agosto, quando a sua congénere espanhola, a Aemps (Agência Espanhola do Medicamento e Produtos Sanitários) divulgou, a nível europeu, uma informação sobre a retirada de lotes comercializados como omeprazol.

O problema descobriu-se após queixas de vários pais de que os seus bebés, a ser tratados com aquela substância para o refluxo gástrico, teriam, de um momento para o outro, começado a ficar com o corpo coberto de uma espessa camada de pêlo. O que estava naqueles lotes não era omeprazol, mas outra substância, o minoxidil, utilizado no combate à queda de cabelo e calvície. “Em relação ao nosso país, este problema não se coloca”, garante fonte do Infarmed.

Numa informação divulgada a 8 de Agosto, a Aemps indicava que, naquela altura, estavam identificados 13 casos de crianças afectadas pela troca de identificação do produto, por parte do laboratório. O número cresceu entretanto para 17, havendo, segundo o El País e o El Mundo, que citam a Aemps, 10 bebés afectados na Cantábria, quatro na Andaluzia e três na Comunidade Valenciana.

Ángela Selles conta ao El País como aos seis meses, o aspecto do filho Uriel começou a mudar. “O meu filho encheu-se de pêlo no peito, nas bochechas, nos braços, nas pernas, nas mãos… Tinha as sobrancelhas de um adulto. Assustava, porque não sabíamos o que se estava a passar”. Outra mãe, que prefere não se identificar, relata como o pediatra do filho lhe disse que o problema poderia ser “genético ou metabólico”, dando início a uma série de exames.

Já ao El Mundo, a mãe de uma menina a quem começou a crescer pêlo na cara aos três meses, relembra como foi o especialista de gastrenterologia que acompanhava a bebé a apontar o omeprazol como potencial causador. “Quando lhe falamos do problema do pêlo disse-nos que acabava de se reunir com um colega de endocrinologia infantil de Valdecilla (o hospital de Santander) e que este lhe tinha falado do caso de quatro crianças de Corrales a quem tinha crescido pêlo na cara e que estavam a tomar omeprazol. Disse-me: ‘Deve ser do omeprazol. Deixe de dar-lhe e guarde o frasco no congelador, que vou pedir que o levem para analisar”, contou a mulher ao diário espanhol.

As notificações deste e de outros médicos ao Sistema Espanhol de Farmacovigilância de Medicamentos de Uso Humano (SEFV-H) alertaram a Aemps. A investigação iniciada – mas ainda em curso – levou a agência ao laboratório de Málaga.

Actividade suspensa

A Aemps começou, em Julho, por retirar do mercado um lote daquela substância, mas com o aumento de casos, acabou por alargar essa decisão a outros lotes. O laboratório está, entretanto, com a actividade suspensa desde Julho para “a realização de actividades de fabricação, importação e/ou distribuição de princípios activos farmacêuticos”. Fontes não identificadas citadas pelo El País referem que essa suspensão acontece por “graves incumprimentos detectados nas normas de controlo de fabricação dos medicamentos”. A empresa tem seis meses para apresentar à Aemps um plano para corrigir as falhas alegadamente detectadas.

A substância identificada como omeprazol, mas que se viria a verificar conteria minoxidil, era vendida às farmácias que fabricavam os xaropes receitados às crianças de acordo com as indicações e dosagens dos respectivos médicos. O El País, que cita fontes não identificadas, afirma que não houve contaminação do produto, mas uma identificação errada do mesmo. “Analisou-se o lote original de omeprazol a granel procedente da Índia e os resultados mostraram que estava em perfeito estado.

O problema esteve no fraccionamento em lotes mais pequenos que se venderam também a granel. Houve uma grave confusão no processo. Não é que o omeprazol se tenha misturado com o minoxidil, mas que no prospecto puseram uma coisa e o fármaco era outra”, explicam estas fontes citadas pelo diário espanhol. Esta informação seria confirmada, esta quarta-feira, pela ministra da Saúde de Espanha, María Luisa Carcedo, que disse aos jornalistas estar-se perante um caso de “erro de embalagem”. 

Segundo as informações divulgadas pela Aemps e também prestada pelos médicos aos pais das crianças afectadas, o pêlo excessivo que cobre o corpo das crianças deverá desaparecer espontaneamente nos próximos meses. Há, contudo, dúvidas sobre se este caso poderá implicar outros problemas para as crianças, já que não havia, até à data, registo da tomada de minoxidil por crianças. Acresce, segundo o El Mundo, que aquela substância deve ser apenas para uso externo e a dosagem recomendada é de dois mililitros por dia. “A minha filha estava a tomar sete mililitros”, afirmou Amaya.

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