A informação que temos ou não…

Os governos deste país não podem continuar a alhear-se das condições em que operam os média em matéria de jornalismo…

Em recente entrevista na Visão, é perguntado ao primeiro-ministro o que conta fazer em matéria de ajuda pública à imprensa. Mas António Costa esquiva a questão. Comete assim um erro na avaliação que faz implicitamente do estado da democracia e da cidadania em Portugal. Porque, em termos gerais, os cidadãos são insuficientemente informados e globalmente mal informados. Como poderá desde logo o sistema democrático funcionar de maneira satisfatória, com uma participação ativa e responsável dos cidadãos?

Portugal é o país de Europa ocidental onde se publicam menos jornais de informação geral de caráter nacional. Mas é também aquele em que as difusões são mais baixas, com uma taxa de penetração nove vezes inferior ao que é na Escandinávia, por exemplo. E a estes infortúnios vem acrescentar-se uma prática jornalística insatisfatória, vítima de redações demasiado pequenas e pouco especializadas, tanto na imprensa como no audiovisual.

Para além mesmo das consequências habituais das férias no funcionamento das redações, as últimas semanas foram particularmente ilustrativas daquilo que carateriza largamente a prática do jornalismo em Portugal. Um jornalismo que vai a reboque dos serviços de relações públicas e das assessorias de partidos, sindicatos, ordens, ligas,… De preferência se estes organismos emitirem comunicados prontos-a-publicar e os seus representantes fizerem declarações prontas-a-servir.

Basta vermos a omnipresença nestes últimos tempos, durante dias e semanas a fio, dos mesmos líderes sindicais e de ordens profissionais (para além dos habituais políticos e treinadores de futebol). E, à parte as declarações mais ou menos bombásticas deles, que sabemos nós dos seus percursos profissionais, das condições salariais e demais alcavalas de que usufruem, dos eventuais dissabores judiciários que os ameaçam? Ou das organizações de que são líderes, do número de aderentes, do funcionamento interno, dos meios de que dispõem (lembremo-nos da greve anunciada “por um ano”)? Se tudo ignorávamos, na ignorância ficámos: nenhuma investigação e documentação de fundo foi feita para sermos devidamente informados e fazermos uma opinião cautelosamente fundada.

Outro exemplo recente: o anúncio sábado de que se desenrolava em Fátima um encontro secreto com gente de diferentes proveniências. Gente cristã, globalmente conservadora, de direita radical e até mesmo de extrema-direita. Com a presença do primeiro-ministro húngaro e do chefe de gabinete da Casa Branca. Quanto se sabe o que representam Viktor Orbán e Donald Trump na afirmação e expansão de políticas extremistas, tal encontro não podia ser desprovido de interesse jornalístico. Ora, nenhum média nos informou nos dias que o precederam, quando a sua organização supôs a reserva longo tempo antes de um hotel exclusivamente ocupado pelos participantes. Que forças de segurança tiveram que preparar o acolhimento das principais personalidades. E que “duas centenas de militares de diversas valências” foram mobilizadas para o efeito.

O encontro começou na quinta-feira, mas só soubemos disso no sábado pelo Sol. Mas nada mais soubemos de substancial no domingo (dia em que o encontro terminava) nem na segunda-feira. É que não houve nem conferência de imprensa, nem comunicado de imprensa! E, ao que parece, nenhum média achou por bem fazer a devida investigação e documentação sobre um assunto que terá certamente repercussões políticas a nível europeu e até mesmo internacional.

É verdade que, historicamente, os meios dirigentes deste país sempre se preocuparam pouco ou nada com a informação da população sobre os destinos da nação. Mas o que foi possível como consequência da instabilidade que caracterizou o nosso século XIX e o primeiro quartel do século XX, assim como dos repetitivos períodos de repressão do direito de informar até meados dos anos 1970, não pode justificar-se hoje. O 25 de abril de 1974 e o 1 de janeiro de 1986 marcaram a entrada de Portugal numa nova era que não nos pode dispensar uma informação jornalística à altura das necessidades de uma democracia moderna e pluralista. O governo que sairá das eleições de outubro terá pois que abordar imperativa e urgentemente o assunto!…

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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