Traçado mapa das “auto-estradas” do ódio nas redes sociais
Cientistas dos Estados Unidos detectaram mil grupos de ódio nas redes sociais, cada um com mil membros, o que significa que há um milhão de pessoas em todo o mundo envolvidas na promoção do ódio online.
Em Março, um australiano de 28 anos entrou em duas mesquitas na Nova Zelândia e matou 51 pessoas. As armas que usou tinham nomes de personagens da história militar, incluindo europeus, que são mencionados em grupos online em todo o mundo. Antes, tinha divulgado um texto nas redes sociais sobre os preparativos e depois lançou um vídeo dos ataques. Este é um dos exemplos dados pelos autores de um mapa das “auto-estradas” do ódio nas redes sociais – grupos que estão interconectados globalmente nessas vias, que atravessam diferentes países, continentes e línguas, facilitando assim o alastramento do ódio. Num artigo científico publicado na última edição da revista Nature, a equipa sugere ainda quatro estratégias para se combater essas auto-estradas.
Durante alguns meses, uma equipa liderada por Neil Johnson – físico da Universidade George Washington, nos EUA – fez uma análise matemática às dinâmicas de grupos de ódio em duas redes sociais, o Facebook e a russa VKontakte. Definem-se esses grupos como páginas online ou mesmo grupos (com ligações a outros grupos) que partilham visões semelhantes, interesses ou certos propósitos.
Para perceber como funcionavam, a equipa começou por mapear a forma como os grupos se interconectavam, espalhavam narrativas e atraiam novos membros no Facebook e no VKontakte. Além de analisarem os grupos principais, examinaram grupos secundários. Resultado: descobriu-se que o ódio atravessa fronteiras de plataformas específicas da Internet, como o Snapchat e o WhatsApp, assim como a localização geográfica – por exemplo, Estados Unidos, África do Sul e Europa – e línguas, desde o inglês ao russo, descreve-se num comunicado da Universidade George Washington.
A equipa estudou ainda o que acontecia quando um grupo era expulso de uma rede social: ou se reagrupava noutra plataforma ou reentrava naquela em que tinha sido banido ao criar estratégias de adaptação, como o uso de uma língua diferente. Detectou-se cerca de mil grupos de ódio online nessas plataformas, cada um com mil membros, o que significa que cerca de um milhão de pessoas em todo o mundo estão envolvidas na promoção activa do ódio online.
O resultado final foi um mapa das auto-estradas do ódio – o primeiro deste género, segundo os autores – nas redes sociais, onde milhares de pessoas partilham narrativas e materiais de forma rápida, eficiente e altamente resiliente. “Mostrámos matematicamente como [o ódio nas redes sociais] se comporta”, diz ao PÚBLICO Neil Johnson.
“Descobrimos que o ódio é desenvolvido de uma forma única na Internet ao estabelecer-se em diferentes redes sociais, o que quer dizer que nenhuma plataforma o consegue controlar por si só”, refere o físico. “Por mais que alguém aplique herbicida no seu próprio jardim, não consegue controlar a infestação de todos os jardins de uma cidade. Pior ainda: como isto é tudo online, todos os jardins estão interconectados através de apenas um clique.”
Quatro estratégias
Além do ataque terrorista na Nova Zelândia deste ano, a equipa dá como exemplos actuais desses “jardins infestados” online o recrutamento de novos membros para grupos extremistas ou ameaças a figuras públicas. “O ódio destrói vidas, não apenas como vimos nos [ataques de] El Paso, Orlando [nos Estados Unidos] e da Nova Zelândia, mas também psicologicamente através do bullying e da retórica”, afirma Neil Johnson no comunicado.
Além da identificação das auto-estradas do ódio online, a equipa indica quatro normas para as combater. Na primeira, pretende-se reduzir o poder e o número dos principais grupos ao eliminar pequenos grupos que se sustentam a partir dos maiores. Na segunda, recomenda-se que se deve banir uma pequena fracção aleatória de utilizadores individuais dos grupos de ódio. Como terceira medida, indica-se que se deve ajudar grupos contra o ódio a confrontar grupos de ódio. Por fim, deverão constituir-se grupos intermediários que se envolvam com grupos de ódio para que as diferenças entre os vários grupos de ódio se tornem evidentes e comecem a questionar-se quanto às suas posições.
“A nossa análise mostra que estas medidas irão funcionar bem”, assinala Neil Johnson. O físico adianta ainda que a sua equipa está em conversações com uma rede social para que estas normas sejam implementadas: “Não podemos revelar mais detalhes.” Para aplicar estas medidas, o seu grupo também está a desenvolver um software para ajudar reguladores e autoridades policiais, assim como uma aplicação comercial.
Num comentário ao trabalho também publicado na Nature, Noemi Derzsy – dos laboratórios AT&T, em Nova Iorque – frisa a importância desta investigação: “O estudo da equipa de Johnson dá-nos conhecimentos valiosos e as medidas propostas podem servir como orientação para futuros esforços.” Como limitação deste estudo, a própria equipa salienta que não foi possível estudar todas as redes sociais devido à falta de acesso público.