O lítio põe em causa redução das emissões? Quercus diz que sim, Governo rejeita
Quercus fez contas e diz que minas de lítio já autorizadas põem em causa metas de descarbonização. O Governo afirma o contrário: as baterias de lítio são fundamentais para armazenar energia de fontes renováveis.
Portugal poderá falhar as metas de redução das emissões de CO2 com o aumento da exploração de lítio, conclui o estudo da Quercus O Custo Ambiental do Lítio Português, apresentado nesta segunda-feira. Por cada mina de lítio explorada serão emitidas mais 1,79 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono (Mt CO2) por ano, diz a Quercus. O Governo contesta as conclusões.
O estudo partiu da análise dos planos de lavras das três concessões já emitidas em Portugal: minas da Cepeda, em Montalegre; do Barroso, em Covas do Barroso; e da Argemela, em Barco, na Covilhã.
Para além dos dados de emissões das futuras explorações, também foram tidas em conta a tipologia e a quantidade de maquinaria necessária à laboração dessas minas. Em particular, analisou-se a emissão de dióxido de carbono dessas máquinas durante um ano para fazer uma “estimativa de emissões que uma exploração mineira a céu aberto poderá ter associadas”, lê-se no estudo.
Concluiu-se que, “em média, uma mina de exploração de lítio a céu aberto emite 1,79 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono (Mt CO2) por ano”. Mais: “Em relação às necessidades de redução de emissões de CO2 a partir de 2020, existe um saldo negativo na ordem das 0,5 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono por ano, em média”. Sublinha-se também que as máquinas e os “veículos de elevada tonelagem” são os “que têm emissões poluentes associadas mais elevadas, nomeadamente CO2”, em comparação com outros equipamentos da extracção de lítio.
Segundo a Quercus, cada uma das três minas de lítio vai emitir em CO2/ano “valor igual ou superior ao compromisso nacional de redução de emissões entre 2020 e 2030, anulando por completo a meta de redução anual de 1,29 MtCO2”.
Método de extracção é “severamente prejudicial para o ambiente"
Esta meta, inscrita no Plano Nacional Energia-Clima 2030 (PNEC 2030), apresentado em Janeiro pelo Governo, visa “promover a descarbonização da economia e a transição energética, visando a neutralidade carbónica em 2050”. Para a alcançar, será necessário reduzir as emissões de gases de efeito estufa entre 18% e 23% em 2020 (entre 68 e 72 Mt CO2e) e 45% e 55% em 2030, tendo por base os valores registados em 2005.
O estudo da Quercus antevê “um impacto directo muito significativo nos objectivos e metas preconizadas no PNEC 2030”, com “mais 2,53% de emissões de CO2 em relação a 2017” por ano e por cada mina a céu aberto.
A associação ambientalista exige, por isso, em comunicado, que o Governo “cancele de imediato todos os procedimentos concursais já em vigor” e que “não avance na intenção de lançamento de oito novos concursos para a exploração de lítio em Portugal”. A Quercus considera que o método de extracção “é severamente prejudicial para o ambiente, com elevados níveis de emissões de CO2, pelo que a estratégia para o lítio lançada pelo Governo no ano passado deve ser suspensa de imediato”.
Das três minas analisadas pela Quercus, a mina com maior estimativa de emissões poluentes e impacte na qualidade do ar é a do Barroso, por ter um número mais elevado de equipamentos de acordo com o plano de lavra.
Lítio é essencial para metas da descarbonização, diz ministro do Ambiente
O ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, garantiu, nesta segunda-feira, que o concurso para a prospecção exploração do lítio é rodeado de “todos os cuidados ambientais”, sendo a ponderação feita caso a caso, entre o contributo para a descarbonização e os ecossistemas locais a preservar, na avaliação de impacto ambiental.
Segundo o ministro, que falava em S. Jacinto, Aveiro, e para quem a alternativa à exploração do lítio em Portugal é a sua importação, as baterias de lítio são fundamentais para armazenar energia de fontes renováveis, e só assim será possível o país cumprir as metas de descarbonização: em 2030 cerca de 80% de electricidade com origem em fontes renováveis e em 2050 atingir os 100%.
O ministro do Ambiente aproveitou para referir que existem em Portugal 56 explorações de feldspato, usado na indústria cerâmica, cujo impacto é semelhante. “Em que é que a exploração de lítio é diferente da de feldspato? Em nada. Trata-se de uma pedreira, onde se faz o desmonte de pedra e uma parcela dessa pedra é minério de lítio”, questionou.
No Twitter, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, considerou que a crítica da Quercus é “absurda” e que o estudo “de científico não tem mesmo nada”, uma vez que as suas conclusões se aplicam a “qualquer actividade económica”. “No fundo, o que eles disseram foi: mais actividade económica implica que Portugal falhe as metas da descarbonização”, argumentou, em resposta a um utilizador do Twitter.
“Uma mina de lítio é igual a centenas de pedreiras de granito e minas de quartzo e feldspato que existem já hoje em Portugal, mas com regras ambientais muito mais apertadas”, continuou Galamba. “A Europa precisa de lítio. A questão a debater é se queremos que essa exploração seja feita no continente com regras ambientais e laborais mais exigente do mundo ou se queremos fazer outsourcing e deixar que isso seja feito em países sem regras”, completa.
O lítio é um metal usado para a fabricação de baterias como as encontradas em telemóveis, tablets ou carros eléctricos. A América do Sul é a região do globo com as maiores reservas de lítio – só a Bolívia, Chile e Argentina concentram 70 a 80% das reservas mundiais, de acordo com os dados recolhidos pelo Serviço Geológico dos EUA (USGS), citado pelo estudo da Quercus. A espodumena – mineral de onde se extrai o lítio – foi descoberta em Portugal em 1800. Portugal é, também, a maior reserva conhecida deste material na Europa Ocidental, com 60 mil toneladas de lítio, concentradas maioritariamente no Norte e Centro do país.
Notícia corrigida na escala dos valores das emissões de CO2