O direito à greve

Uma das principais armas de reivindicação de direitos foi retirada a estes trabalhadores e criou-se um precedente pronto a ser repetido sempre que tal aparente ser útil.

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Nelson Garrido

Já não é necessário o temor causado pelo bastão policial erguido aos céus para quebrar uma greve. Basta o decretar de serviços mínimos tão risíveis que se confundem com os serviços normais.

O que é uma greve? Poucas questões podem ser mais pertinentes quanto aos acontecimentos dos últimos dias. Uma definição simples é a de que uma greve é uma interrupção de actividades por parte dos trabalhadores como uma forma de protesto. Tendo esta definição em mente, torna-se interessante observar que nas últimas “greves” pouco foi permitido em termos de interrupção de actividades e, consequentemente, de protesto. Corrói-se, assim, a definição básica da palavra e, com ela, um direito básico de qualquer trabalhador.

Para corroer este direito não foi necessário mais do que estabelecer serviços mínimos que roçam o ridículo. No Código do Trabalho refere-se que numa empresa destinada à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, os trabalhadores aderentes à greve devem assegurar a prestação de serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades. E que serviços mínimos “indispensáveis” à satisfação de necessidades sociais “impreteríveis” foram decretados quanto à greve de motoristas? Ora, entre outras, “​50% no abastecimento de postos de combustíveis não pertencentes à rede de emergência”. Talvez a vaga contradição entre “não pertencente à rede de emergência”, “indispensável” e “impreterível” seja um delírio meu, mas eu diria que é uma contradição menor e mais aceitável para alguns do que a que se encontra entre “direitos básicos dos trabalhadores” e “população satisfeita com os seus depósitos cheios e que vai votar PS”. 

As nossas prioridades quanto a esta situação encontram-se completamente trocadas, basta observar que se chega ao ponto de afirmar que esta greve ataca o direito às férias de certos cidadãos como se tal ultrapassasse o direito básico de outros reivindicarem as suas condições de trabalho. Este é exactamente o mesmo espectáculo que se encontra a decorrer com a greve dos tripulantes da Ryanair. O direito para alguns se movimentarem por meio aéreo, afinal um direito básico de quaisquer férias, sobrepõe-se ao da greve. Aquilo que se torna mais preocupante é que neste caso existem perfeitamente outras possibilidades para aqueles que tencionam viajar e no ano passado, tendo também ocorrido uma greve por parte destes tripulantes, não houve qualquer necessidade de serviços mínimos.

Corresponde o funcionamento de uma companhia aérea low cost irlandesa às necessidades sociais impreteríveis mencionadas anteriormente? Corresponderá, sem dúvida, à necessidade impreterível da obtenção de lucro pela empresa. Surgem assim, em menos de 15 dias, duas situações em que se pode observar uma emergente coarctação do direito à greve, falta saber quais serão as próximas. 

Uma das principais armas de reivindicação de direitos foi retirada a estes trabalhadores e criou-se um precedente pronto a ser repetido sempre que tal aparente ser útil, sendo que é importante referir que, neste caso, o útil pode perfeitamente ser entendido como manipulador de votos para as próximas eleições. O nosso pensamento democrático prende-se nisto, no mais curto dos prazos. Na liberdade, essa palavra cujo uso tão recorrente desbota o seu significado, quando ela dá jeito, se não der atiramo-la para bem longe. Pode ser que vá parar a outros cantos do mundo onde tanto necessitam dela.

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