Um Verão religiosamente quente
As Testemunhas de Jeová e os Santos dos Últimos Dias jogam em Portugal, neste momento, uma mudança de paradigma que as faça mudar de relevância social.
Apesar de a um primeiro olhar as estratégias de proselitismo poderem parecer todas muito semelhantes, a verdade é que são dinâmicas muito complexas que nos revelam muito mais que a simples vontade ou vocação de expandir uma fé e fidelizar crentes.
Exemplo recente e ricamente ilustrativo encontramos na radical mudança de estratégia de abordagem das Testemunhas de Jeová. Depois de dezenas de anos de porta-a-porta, recebendo muitas vezes impropérios e ofensas variadas, as Testemunhas de Jeová assumiram uma posição passiva na abordagem, “estacionando” junto a paragens de transportes públicos, falando apenas com quem se aproxima. Desta forma, anulam os anticorpos criados na estratégia anterior, mais intrusiva, e deixam sós os Mórmones (Santos dos Últimos Dias) que, assim, surgem no espaço público de forma mais visível e potencialmente intrusiva - é a resposta à representação social e, possivelmente, ao crescimento consolidado de Mórmones nos últimos anos.
Aliás, estas duas confissões cristãs jogam em Portugal, neste momento, uma mudança de paradigma que as faça mudar de relevância social. Se os Santos dos Últimos Dias, como se gostam de chamar, inauguram um Templo em Lisboa, não só colocando os seus principais ritos, sacramentos e juramentos à disposição dos seus membros em Portugal, mas também fazendo uma eficaz demonstração de capacidade económica e social, as Testemunhas de Jeová organizaram, também em Lisboa, um exigente Congresso Internacional em que reuniram no maior estádio de futebol mais de 60.000 membros.
De facto, no universo religioso que reclama Jesus como O Cristo, estas duas confissões são as que apresentam um crescimento mais sólido, com valores mais significativos, seja em Portugal, seja na restante Europa e América do Norte. No nosso contexto cultural e geográfico, Testemunhas de Jeová e Santos dos Últimos Dias são os dois grupos de maior sucesso dos que nasceram dos grandes avivamentos de fé nos EUA no século XIX.
Mas há algumas diferenças nas cosmovisões que cada uma das confissões apresenta aos cidadãos. Se as Testemunhas de Jeová mantiveram sempre muito forte uma mensagem e uma postura contra o mundo, demonizando algumas das suas facetas, levando os seus membros a um afastamento do social e do político, os Santos dos Últimos Dias afirmam o mundo para nele apresentarem provas de eleição, não negando a política, as relações sociais, a educação e a prosperidade.
Estas diferenças de conceber e de viver o e no mundo, implicam diferentes campos de recrutamento de membros, seja em termos de idade, de cosmopolitismo, grau de escolaridade ou empregabilidade, como é natural.
Vindas de questionamentos espirituais muito semelhantes no século XIX, estas duas confissões são hoje duas abordagens diametralmente diferentes ao mundo, se bem que sem o imobilismo que normalmente apodamos ao universo religioso. Por exemplo, vindas de um grande afastamento ao mundo, aquando deste grande evento organizado pelas Testemunhas de Jeová em Lisboa, os seus delegados vindos de outros países foram acolhidos com passeios, actividades culturais e gastronómicas até há bem pouco tempo pouco prováveis.
Portugal vive, felizmente, uma Liberdade Religiosa em que o espaço comum de encontro, a cidadania, permite esta diversidade de respostas. Se a liberdade é o valor mais alto que devemos preservar, a Liberdade Religiosa, não é apenas a afirmação mais essencial da Liberdade, é o exercício contínuo de especulação, quase laboratorial, de respostas ao Mundo, adiramos a elas, ou não.