Cidade de Hasankeyf ficará submersa e com ela dez mil anos de história

Governo terá começado a encher reservatórios de barragem hidroeléctrica que ameaça cidade turca. Activistas e organizações protestam perda irreversível de património cultural e histórico.

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Fotografia da cidade turca tirada em 2014 Murad Sezer/REUTERS

Em 2011, o PÚBLICO publicava a história de uma pequena cidade do Sudeste turco. “Antes que seja tarde demais” era o mote dado pelo texto. Oito anos depois, chega a confirmação de que Hasankeyf será totalmente submersa na sequência da construção de uma barragem hidroeléctrica. O reservatório de água da Ilisu, nome da infra-estrutura, ocupará mais de 300 quilómetros quadrados e irá afundar este “museu ao ar livre”, situado junto ao rio Tigre. 

São mais de dez mil anos de história e património cultural, marcada pelas passagens do império Bizantino, Romano, Seljúcida e Otomano que irão ser obliteradas pela água. Os primeiros planos arquitectónicos para a construção desta barragem foram esboçados na década de 80 do século passado, mas a oposição de vários ambientalistas e dificuldades na obtenção de financiamento retardaram a materialização da barragem que deverá ser finalizada ainda este ano.

Em Janeiro de 2006, nasceu o movimento Keep Hasankeyf Alive, que reúne actualmente 86 organizações e centenas de activistas com o objectivo de travar a destruição desta cidade. Foi inclusivamente este o grupo que alertou a população turca para o início do enchimento de vários reservatórios, através da análise de imagens recolhidas via satélite. Uma acção que o Governo turco mantém secreta. Um membro do ministério responsável pela infra-estrutura revelou ao El País que “apenas os cargos mais altos da presidência, ministérios e Negócios Estrangeiros têm informação porque a barragem afecta directamente outros países”.

Hasankeyf tem cerca de sete mil habitantes que terão de deixar a cidade num futuro próximo. No total, a construção deste projecto — cujo orçamento ronda os 1100 milhões de euros — irá desalojar entre 15 e 20 mil pessoas. De acordo com informações recolhidas pelo El País, a “nova Hasankeyf ”, cidade escolhida pelo Governo para colocar os habitantes, ficará situada na outra margem do rio, a dois quilómetros da actual localidade. Apesar do elevado número de habitantes que precisam de ser realojados, apenas estão asseguradas 700 habitações. As restantes famílias receberão 100 mil liras de compensação (cerca de 15 mil euros), valor abaixo do preço de mercado de um imóvel.

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Manifestações dos habitantes locais contra a barragem em 2008 Umit Bektas / REUTERS

Esta construção já podia ter sido finalizada, mas, em 2018, a seca que se abateu sobre o Iraque levou a que as autoridades iraquianas pedissem ao Governo turco para adiar o enchimento do reservatório. Porém, a forte precipitação registada esta Primavera deixa a indicação de que a barragem poderá estar completamente cheia ainda em 2019, visto que a demorará entre seis e 24 meses a encher, dependendo do fluxo do rio Tigre.

Ao longo dos anos, o projecto foi sofrendo vários avanços e retrocessos. Inicialmente seria construído com recurso a financiamento externo, mas os protestos de várias organizações levaram à desistência de vários investidores. O Governo turco conseguiu assegurar a verba necessária para a materialização da barragem junto de instituições financeiras nacionais. Mas a contestação manteve-se com o passar do tempo: foram apresentadas queixas junto do Parlamento Europeu e da federação pan-europeia do património cultural Europa Nostra. Esta última organização considera Hasankeyf um dos sete patrimónios mundiais mais ameaçados e, num relatório publicado a 28 de Junho, denunciou “alterações significativas às paisagens históricas” e “danos irreparáveis” aos monumentos da cidade na sequência das obras necessárias à implantação desta megaestrutura na cidade.

Também os vizinhos iraquianos e sírios mostraram preocupações com a infra-estrutura: o caudal do rio Tigre tem diminuído a um ritmo constante e os Governos de Damasco e Bagdade acusaram esta construção de vir acentuar o problema.

Apesar de parecer uma tarefa — praticamente — impossível, há quem mantenha a esperança de salvar o património cultural de Hasankeyf. O activista e engenheiro ambiental Ercan Ayboga diz que, neste momento, apenas 1% do património cultural do vale do Tigre está danificado. “A barragem vai demorar entre seis e 24 meses para encher, dependendo do caudal do rio. Se houver protestos na Turquia e em todo o mundo, ainda podemos salvar Hasankeyf”, afirma em declarações ao El País

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