Entre sons da bossa nova e histórias de mulheres, Rita Rato também vai “nadografar”
Para quem conhece as suas pastas no Parlamento, não são de estranhar os gostos por livros sobre mulheres, história brasileira ou a realidade dos subúrbios portugueses. A que junta leituras a dois, com gargalhadas, com o filho de dez anos.
Nascida e criada em Estremoz, onde corria à biblioteca municipal para encher os braços de livros na véspera das férias, Rita Rato diz hoje que nas leituras e na música sente-se como peixe na água entre autores de língua portuguesa, sejam eles brasileiros ou africanos. “Também sou assim noutras vertentes da estética”, assegura, sentada no sofá de um dos corredores atapetados do Parlamento, com uma pilha de livros que equilibra sobre os joelhos.
Todos de autores de língua portuguesa, confere, de um e outro lado do Atlântico. Mesmo os que leva na bagagem para partilhar com o filho de dez anos nas férias no campo. Abrem “uma página ao calha” de Lá fora – Guia para descobrir a Natureza e tanto podem ir parar às propostas para fazer um herbário, observar aves junto ao rio ou sair-lhes as pistas para identificar pegadas de animais ou ainda um mapa para se deitarem no chão, à noite, na rua, a ver as estrelas. As sugestões de Maria Ana Peixe Dias e Inês Teixeira do Rosário, com as ilustrações de Bernardo Carvalho, são uma ajuda para “desligar” das modernices dos videojogos e voltar à infância alentejana.
Rita habituou-se a ler em conjunto com a avó porque esta só aprendeu a ler em adulta. É um gesto que repete com o filho e gosta especialmente d’ As palavras que fugiram do dicionário. Tal como o autor, Sandro William Junqueira, Miguel “é muito observador e também junta palavras, expressões e até pronúncias de várias regiões para inventar novas palavras”. Quem nunca encontrou tigros escondidos nas searas? Ou sentiu chegar a cansura ou comeu torradas com mel e chá de gengibre quando está bonstipado?
Para si, na bagagem Rita Rato leva livros para reler, para acabar ou começar a ler. A morte recente de João Gilberto leva a deputada da PCP a pegar no livro Chega de saudade: A história e as histórias da bossa nova, de Ruy Castro, que “conta muitas histórias sobre cantores e compositores como o próprio Gilberto, Vinicius, Nara Leão, Jobim ou Elis Regina. Agora quando oiço as suas músicas estou sempre a lembrar-me de alguns episódios” que ali se contam. Do mesmo autor, está a ler a biografia de Nelson Rodrigues, já leu a de Carmen Miranda e de Garrincha. Ruy Castro é jornalista e os seus livros parecem uma sucessão de reportagens, afirma.
Outro que tenciona acabar é Tanta gente, Mariana, o primeiro volume das Obras Completas de Maria Judite Carvalho, autora que “apesar de não ser muito falada é das mais importantes do século XX”. Tem alguns contos por ler. “É um livro duro, que descreve de forma muito impressiva as questões das mulheres e da solidão em várias dimensões da vida.” Tal como Os meus sentimentos, de Dulce Maria Cardoso, um dos preferidos de Rita. “É uma história muito crua, até violenta, de uma mulher, dos seus confrontos íntimos e também com a família. Os livros dela têm essa marca — mesmo escrevendo sobre universos que nos estão próximos ela consegue construir personagens com uma densidade impressionante que fica muito para além do óbvio.”
Uma realidade que encontra igualmente em Ricardo Adolfo, que escreve essencialmente “sobre o subúrbio e as periferias de uma forma que só consegue quem lá viveu, como ele”. Ansiosa por livros e guiões novos, anda agora com Mizé, antes galdéria do que normal e remediada debaixo do braço. Mas talvez não no comboio da linha de Sintra. Diz ficar feliz por ver pelo menos meia dúzia de passageiros a ler livros e acha piada ao facto de haver quem esconda as capas, forrando-as. “É um direito que têm à sua privacidade porque o livro que lemos também pode dizer algo sobre nós e há quem não queira expor-se. Mas fico curiosa…” Entre risos diz que em princípio não escondia a capa da biografia de Nelson Rodrigues (de Ruy Castro) apesar do título O Anjo Pornográfico. “Se o lessem, chegavam ao fim a achar que aquilo não tem grande pornografia ou que a pornografia pode ser uma construção de uma série de valores e estereótipos…”
São também as mulheres o elemento central de Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, mas numa quilombola no Sertão da Bahia, em que o enredo da família se entrecruza com a história do Brasil. Investigador em estudos étnicos e africanos, Itamar tem uma predilecção pelo “universo da luta pela liberdade, pelo direito às terras, pelo papel das religiões afro-brasileiras”, descreve a deputada. Se somarmos o facto de Rita Rato ser deputada do PCP, ter estudado Ciência Política e liderar as pastas relacionadas com o trabalho e os direitos da mulher, as escolhas não podiam ser outras. Ou podiam? “Não sei se nós procuramos os livros ou se eles nos surgem”, diz quando questionada sobre se os escolhe pela capa, pelas críticas que lê ou por sugestões dos amigos. É uma boa dúvida sobre a qual meditar quando neste Verão estiver, algures, a nadografar.