Pequim faz ameaça velada a manifestantes de Hong Kong

Protestos deixam aeroporto quase paralisado pelo segundo dia; responsável do Governo chinês fala em “sinais de terrorismo”. À décima semana de manifestações, nenhum dos lados parece ceder.

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Confrontos entre polícia e manifestantes no aeroporto de Hong Kong THOMAS PETER/Reuters

“Desculpem o incómodo, estamos a lutar pelo futuro da nossa casa”, dizia a faixa de um manifestante no aeroporto de Hong Kong, ocupado pelo segundo dia e praticamente paralisado. Esta terça-feira foi o quinto dia consecutivo de manifestações de um protesto político que dura há dez semanas.

O aeroporto de Hong Kong é um dos mais movimentados do mundo: no ano passado passaram por lá 74,7 milhões de passageiros, aponta a CNN, uma média de 205 mil por dia. Depois de segunda-feira terem sido cancelados centenas de voos, na terça durante um breve período foram retomados alguns voos, antes de se anunciar que os check-ins tinham sido de novo cancelados.

Os protestos foram provocados por uma tentativa do Governo de Hong Kong de fazer aprovar uma lei que possibilitaria a extradição de pessoas para a China continental, onde o sistema judicial oferece menos garantias. Muitos viram aqui uma tentativa de Pequim para facilitar o castigo de opositores e começaram enormes manifestações contra a lei.

Essa proposta foi suspensa, mas os manifestantes querem mais: querem que a lei seja definitivamente posta de lado e querem ainda uma investigação à actuação da polícia nos protestos, que acusam de brutalidade, e a demissão da governadora, Carrie Lam, e que a próxima pessoa a ocupar o cargo seja eleita por sufrágio directo e universal.

Carrie Lam fez esta terça-feira um apelo, e a dada altura parecia mesmo à beira das lágrimas: “Parem durante um minuto para pensar, olhem para a nossa cidade, a nossa casa, querem realmente vê-la empurrada para o abismo?”

Lam voltou a não reconhecer qualquer reivindicação dos manifestantes, dizendo que as suas actividades são “ilegais”. “A violência, seja a sua utilização ou apoio, vai levar Hong Kong a um ponto sem retorno, vai levar a sociedade a uma situação muito preocupante e perigosa”, disse, citada pela Reuters.

No fim-de-semana houve mais violência nas manifestações. No domingo 40 pessoas foram hospitalizadas, incluindo uma mulher que terá sido atingida no olho por um disparo da polícia, e está em risco de o perder.

O Presidente norte-americano, Donald Trump, classificou entretanto a situação como “muito dura”, mas disse esperar “que se resolva pela liberdade” e que isso resulte para todos, incluindo a China”. “Espero que ninguém seja ferido. Espero que ninguém seja morto”, concluiu. Na semana passada, Trump disse que as manifestações eram “motins” e que a China “terá de lidar” com eles. Foi logo criticado por activistas como Ai Weiwei, que diz que, após a relutância dos EUA em apoiar os manifestantes, a polícia tem recorrido a tácticas mais violentas.

Intervenção chinesa

A China começou por ignorar os protestos, mostrando apenas o seu apoio a Lam e à acção da polícia de Hong Kong. Mas entretanto mudou de tom. Yang Guang, porta-voz do Gabinete do Conselho de Estado para Hong Kong e Macau, disse que os manifestantes eram “malvados e criminosos”. Pequim promoveu também teorias segundo as quais os EUA estão por trás dos protestos, que são agora muito populares. E após a ocupação do aeroporto, disse que tinham sido detectados “sinais de terrorismo” e avisado que a situação chegou a uma “encruzilhada decisiva”.

“Pequim apercebeu-se de que isto não era apenas oposição a uma lei ou a uma política, mas algo mais profundo, e tem um desafio a longo prazo nas mãos”, disse à rádio pública norte-americana NPR Adam Ni, especialista da Universidade Macquarie, na Austrália. “Pequim está agora a ver a crise como algo realmente desestabilizador para o seu regime, o seu controlo”, acrescentou.

O que trouxe a questão do que poderá Pequim fazer em resposta aos protestos.

Sob o lema “um país, dois sistemas”, Hong Kong tem as suas próprias leis e goza de liberdades não existentes na China continental. Mas Pequim tem interferido: em 2017, foi aprovada uma lei prevendo que os candidatos a líder do executivo da região tivessem de ser aprovados por uma comissão pró-Pequim. Também houve deputados da oposição desqualificados por não dizerem correctamente o juramento de lealdade, ou uma lei propondo três anos de prisão a quem desrespeite o hino nacional da China.

A China tem uma pequena força em Hong Kong – 5000 militares com base no território desde 1997 – que é sobretudo um “símbolo da soberania chinesa”, disse Adam Ni, desta vez à emissora britânica BBC. Esta força realizou um vídeo com os soldados a fazer exercícios de repressão de manifestações. Ben Bland, investigador do Instituto Lowy de Sydney, disse à AFP que esta parece uma acção do regime de Xi Jinping para “assustar os manifestantes”.

“Uma intervenção que não chegue a ter uma força avassaladora traz o risco de levar a mais resistência”, disse pelo seu lado Adam Ni.

Legalmente, diz a BBC, depois da transição de soberania do Reino Unido para a China, em 1997, que levou à situação actual de “um país, dois sistemas”, a lei básica de Hong Kong prevê apenas que uma intervenção militar chinesa ocorra a pedido do governo local e “para manter a ordem pública ou ajudar em caso de calamidade”. A maioria dos analistas concordam que nem mesmo um governo totalmente pró-Pequim quereria isso.

Mas o risco existe e ainda esta terça-feira Chris Patten, o último governador britânico de Hong Kong, avisou que uma intervenção chinesa seria catastrófica “para a China e, claro, para Hong Kong”, disse à BBC, acrescentando, “desde que o Presidente Xi está no poder, tem havido uma repressão da oposição e de dissidentes em todo o lado, o partido tem estado a controlar tudo”.

Apesar dos sinais de endurecimento da China, há quem espere que o regime esteja a pensar noutra forma de lidar com os protestos, uma arma económica “subtil mas poderosa”, como diz a BBC: o estatuto de Hong Kong como centro de poderio económico é hoje muito diferente do que era em 1997, com cidades como Shenzen e Xangai a aproximarem-se muito. O Governo central poderá redireccionar mais investimento e comércio para o continente, enfraquecendo a economia de Hong Kong e tornando assim a região mais dependente de Pequim.

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