A China anda a prender professores estrangeiros

Pequim quer tornar o ensino na China mais patriótico e limpo de influências ocidentais e os professores que chegam de fora para ensinar inglês são um alvo fácil.

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Uma escola de Inglês em Pequim Thomas Peter/REUTERS

As prisões e deportações de professores estrangeiros na China aumentaram muito este ano, dizem advogados, escolas e professores, no meio de uma repressão generalizada determinada por novos métodos empregues pela polícia e a movimentação de Pequim para tornar o sistema educativo mais “limpo” e patriótico.

Quatro escritórios de advogados disseram à Reuters que os pedidos de representação de professores estrangeiros aumentaram quatro a dez vezes nos últimos seis meses, enquanto educadores e escolas confirmaram que se tornaram habituais as prisões e detenções temporárias para crimes menores.

A suíça Education First, que tem 300 escolas em 50 cidades chinesas, fala em crescimento “significativo” das detenções por alegados delitos relacionados com drogas, brigas e violações de cibersegurança, de acordo com um comunicado interno de 27 de Junho enviado aos empregados a que a Reuters teve acesso.

O comunicado fala em funcionários “apanhados pela polícia em casa ou no trabalho, bares ou discotecas, interrogados e levados para despistes de drogas”. O texto refere também que a escola tinha recebido avisos de embaixadas sobre o aumento das detenções.

Uma escola internacional em Pequim e uma agência de professores em Xangai confirmaram, por separado, que as prisões têm aumentado substancialmente.

“Há uma pressão tremenda para manter as coisas limpas. Faz tudo parte da ideia de Xi Jinping de garantir que a China mostra uma boa cara ao resto do mundo”, afirma Peter Pang, o principal advogado do escritório IPO Pang Xingpu, que representa professores estrangeiros.

O Gabinete de Segurança Pública e o Ministério da Educação chineses não responderam aos pedidos de comentário.

A China tinha à volta de 400 mil estrangeiros a trabalhar no sector da educação em 2017, o último ano de que há estatísticas disponíveis, em escolas, universidades e institutos de línguas.

Há muito que se registam abusos de ambos os lados, com muitos professores estrangeiros a trabalharem na China sem os vistos adequados e muitas escolas a aproveitarem-se dessa vulnerabilidade.

Mas, agora, os advogados afirmam que a multiplicação de acções contra a influência estrangeira no sistema educativo fortemente nacionalista da China faz com que até os professores qualificados estejam cada vez mais vulneráveis à exploração.

Muitos dos processos judiciais envolvendo professores estrangeiros estão relacionados com novas e mais desenvolvidas formas de rastrear o consumo de drogas – incluindo testes que podem detectar vestígios de substâncias químicas durante muito tempo –, como visitas-surpresa à casa e ao local de trabalho dos professores, explicam os advogados.

Campanha de erradicação

O comportamento dos professores estrangeiros na China ficou sob os holofotes no mês passado quando 19 cidadãos estrangeiros, incluindo sete que trabalharam para a Education First, foram presos na cidade de Xuzhou, no leste do país, por problemas relacionados com drogas.

O caso desencadeou muitas críticas na imprensa do Estado, que voltou a pedir a Pequim para erradicar a influência estrangeira das escolas do país.

Em Setembro do ano passado, a China lançou uma campanha alargada para remover a influência estrangeira da educação, incluindo esforços para proibir cursos de história estrangeira, ilegalizar material para auto-educação e rever os manuais de forma a adequá-los à ideologia do Partido Comunista.

O actual esforço, que inclui fiscalizações de acompanhamento e inspecções aleatórias a escolas, está destinado a promover o patriotismo e “os valores essenciais do socialismo” que reflectem “o amor à pátria”, disse em tempos o Ministério da Educação.

Os advogados afirmam que o sentimento anti-estrangeiro está a crescer na educação chinesa o que aliado a um excesso de professores significa que os expatriados ficam expostos a outras questões não-criminais, como sejam diminuições no ordenado, recusa em entregar a documentação necessária para os vistos e alteração dos contractos sem aviso prévio.

“Quando [as escolas] recebem uma série de candidaturas, sentem-se numa posição de controlo”, refere Pang, cujo escritório tratou de dezenas de arbitragens laborais entre professores e escolas nos últimos meses.

Emily, uma professora de Inglês de 25 anos, originária do Utah, nos EUA, afirma que uma escola de Chengdu, no sudoeste da China, reteve-lhe o passaporte durante 10 semanas no final de 2018 até ela ameaçar com chamar a polícia.

“Tinham sempre uma desculpa, como uma revista ao meu dormitório pela polícia ou qualquer coisa administrativa para transferir o meu visto, a determinada altura disseram que ficavam com ele para o manter em segurança.” Emily preferiu manter o seu apelido e o nome da escola anónimos por estar neste momento a decorrer um processo de arbitragem.

A escola descontou-lhe 1200 yuan (151 euros) do salário mensal de 16 mil yuan (2021 euros) de uma taxa de agência inesperada, de acordo com os documentos que lhe foram entregues antes e depois da sua chegada. Os advogados dizem que a prática não é invulgar e que a arbitragem habitualmente custa mais do que a percentagem do salário que lhe retiveram.

“O que mudou foi que muitos membros do governo pensam que expulsar influências ocidentais como os professores de inglês é fazer o trabalho do partido e as escolas estão a aproveitar-se disso”, explica Harris Bricken, advogado de Seattle, nos EUA, que aconselha os professores estrangeiros a não irem ensinar na China. “Os riscos de ensinar na China superam em muito as recompensas”, sublinha.