Costa avisa: “A violação da requisição civil constitui um crime de desobediência”
Primeiro-ministro considera que serviços mínimos não põem em causa direito à greve. Haverá um conselho de ministros electrónico pronto para aprovar requisição civil, se for preciso.
Só se os serviços mínimos não estiverem a ser assegurados, durante a greve dos motoristas de mercadorias e de matérias perigosas, é que o Governo partirá para a requisição civil. A garantia foi deixada neste domingo pelo primeiro-ministro António Costa que, ainda assim, não deixou de avisar: “A violação da requisição civil constitui um crime de desobediência.”
Haverá, aliás, um conselho de ministros electrónico para aprovar a requisição civil, se for preciso e à hora que for preciso. “Desejo que tudo corra pelo melhor, mas temos de estar preparados para o pior”, insistiu Costa, em declarações aos jornalistas. O governante considera ainda que os serviços mínimos decretados pelo Governo, e considerados robustos pelo próprio executivo, não põem em causa o direito, constitucionalmente consagrado, à greve.
O primeiro-ministro visitou, na manhã deste domingo, a Entidade Nacional para o Sector Energético, tendo tido ainda na agenda uma passagem pelo Sistema de Segurança Interna.
Costa disse partir do princípio de que todos neste processo estão de “boa-fé” e de que os serviços mínimos serão assegurados. “É fundamental que as partes cheguem a um acordo e, não chegando a um acordo, tenham noção do prejuízo brutal que estão a criar ao país e à vida dos portugueses. Têm o dever estrito de, já que fazem o país pagar este preço imenso por este conflito, ter a capacidade de assegurar o mínimo que lhes compete”, afirmou o primeiro-ministro.
Caso não haja esse cumprimento, o Governo partirá para a requisição civil: “Se assim não for, bom, teremos de dar o passo seguinte e o passo seguinte é um passo que ninguém deseja, que é o da requisição civil. Há algo que gostaria também de deixar muito claro: a instrução que foi transmitida às forças de segurança é que a violação da eventual declaração de requisição civil não pode passar incólume.”
António Costa precisou o que queria dizer: “A violação da requisição civil constitui o crime de desobediência”, afirmou, acrescentando terem sido dadas “instruções às forças de segurança para praticarem os actos necessários” para que, “nessa eventualidade haja efectivamente consequências”. Quais? “As previstas no Código Penal para o crime de desobediência.” O primeiro-ministro quer, no entanto, “evitar” essa “escalada”.
Segundo o artigo 348.º do Código Penal, a desobediência pode ser simples ou qualificada, podendo ir de pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias (no caso da simples), ou pena de prisão até dois anos ou de multa até 240 dias (qualificada).
António Costa apelou, por isso, várias vezes, ao cumprimento dos serviços mínimos. “A Antram divulgou uma posição hoje de manhã informando que os sindicatos não cumpriram a obrigação de, até à meia-noite, fornecerem a lista dos trabalhadores que deveriam desempenhar os serviços mínimos”, começou por dizer, acrescentando que a informação de que dispõe é a de que a Antram “se está a substituir aos sindicatos” na notificação das empresas para designarem os trabalhadores que se devem apresentar “até às seis e meia da manhã” para cumprir os serviços mínimos.
O Governo apela a que “a lei da greve seja cumprida plenamente”, “respeitando” o direito dos trabalhadores, mas também o cumprimento dos serviços mínimos. O primeiro-ministro espera que “os sindicatos honrem a palavra que têm dado publicamente": “Espero que não cheguemos a esse ponto da requisição civil”, afirmou.
Costa considera que os serviços mínimos decretados pelo Governo não põem em causa o direito à greve, como alguns têm criticado: “Há uma noção que o país tem de ter: é que seja a rede de emergência, seja os serviços mínimos, podem mitigar mas não eliminam os efeitos da greve. Ainda que sejam cumpridos plenamente, os efeitos da greve vão existir.” E acrescentou: “Os serviços mínimos não podiam eliminar, nem destruir aquilo que é conteúdo essencial do direito à greve, senão isso seria obviamente inconstitucional e, por isso, foram fixados de uma forma proporcional”.
"Vão faltar combustíveis"
Nas duas vezes em que prestou declarações, o primeiro-ministro quis deixar claro que haverá sempre consequências desta greve: “Vão seguramente faltar combustíveis, mesmo com o respeito integral dos serviços mínimos, o abastecimento dos combustíveis vai ser menor do que aquele que existe em período normal. Temos serviços mínimos decretados para um abastecimento a 100% para rede de emergência, mas estamos a falar de cerca de 300 postos num universo de três mil e tal postos. Relativamente aos outros, os serviços mínimos foram decretados em cerca de 50%. Se forem cumpridos integralmente, vai haver metade do abastecimento normal”, alertou, ressalvando, no entanto, estar a ser assegurado que viaturas como as dos bombeiros e as médicas nunca fiquem sem combustível.
“A greve não deixará nunca de ter consequências. O incumprimento dos serviços mínimos significa que as consequências serão, então, absolutamente desproporcionadas [face] àquilo que é o legitimo exercício do direito à greve. E é por isso que nessas circunstâncias o Governo teria de adoptar aquilo que a lei lhe permite e que o interesse nacional lhe impõe, a requisição civil”, salientou.
Para António Costa, é no “equilíbrio do cumprimento dos direitos e do exercício dos deveres” que se pode “viver com a maturidade que o país tem o dever de viver, ao fim de mais de 40 anos de democracia, uma situação como esta”.
“Estou sempre tranquilo e confiante quanto à capacidade das nossas instituições. Agora estamos perante um cenário novo que nunca foi testado e, portanto, não gera necessariamente tranquilidade, gera preocupação”, disse, ressalvando, no entanto, confiar no “bom planeamento” das diferentes forças e serviços para “mitigar os efeitos que inevitavelmente uma greve desta dimensão terá”. Costa esclareceu também que o Governo terá de ir fazendo “uma avaliação permanente” da greve, uma vez que é decretada “por tempo ilimitado”. O executivo terá um gabinete em permanência a acompanhar a paralisação.
Costa disse ainda que a informação que lhe foi transmitida foi a de que as forças de segurança e armadas estão “plenamente aptas para desempenharem as missões que lhe estão atribuídas, designadamente a de assegurar o transporte através da condução, em caso de necessidade”.
No entanto, esclareceu: “A requisição civil é dos funcionários que estão escalados para cumprir os serviços mínimos e que violem essa obrigação. Não é das forças armadas ou das forças de segurança. Essas actuam perante a declaração de crise energética e do estado de alerta; a requisição civil é de funcionários privados e dos bens privados. Nós requisitamos os veículos que são das empresas e os recursos humanos que também são das empresas e que estão escalados para o exercício do cumprimento dos serviços mínimos.” Isto significa, continuou, “que, estando escalado para cumprir os serviços mínimos, se não comparecer e, sendo decretada a requisição civil, é obrigado a aparecer sob pena de incorrer no crime de desobediência”.
“Isso é uma situação extrema que não gostaríamos de antecipar e acho que temos todos, a começar pelos próprios, de evitar”, disse o primeiro-ministro, defendendo não ser preciso mudar a lei da greve, bastando que “seja cumprida”.
Costa lembrou que “o parecer do conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República não só dá clara cobertura aos serviços mínimos, tal como eles foram decretados, como até vai bastante mais longe, chamando a atenção que podem ir evoluindo, em função das necessidades, e que no limite pode deixar de haver distinção entre o que são os serviços mínimos e o serviço normal”.
António Costa disse ter o mesmo desejo do “cidadão comum” e que é o de que “o país seja poupado a este conflito”.
O primeiro-ministro referiu-se ainda às razões pelas quais considera que a sociedade não está a entender esta luta: “Já todos sabemos que quando esse acordo for fechado está garantido um aumento de 200 euros a partir de Janeiro de 2020. Todos nós sabemos o que significaria um aumento de 200 euros no nosso vencimento em Janeiro de 2020 e, infelizmente, creio que nenhum de nós pode ter essa expectativa”, disse, sublinhando que se está a falar de uma greve “sobre vencimentos de 2021 e 2022” e defendendo existir “na sociedade portuguesa, uma enorme incompreensão e revolta relativamente a esta situação”. Mais, salientou: se a luta prosseguir da forma como “tem vindo a prosseguir”, disse, “não vai seguramente conduzir a bom caminho”.
"Pesadas consequências"
Depois da visita que fez à Entidade Nacional para o Sector Energético (ENSE), António Costa explicou que “houve uma enorme antecipação de consumo por parte da generalidade dos cidadãos que, em termos homólogos, se aproximaria dos 100%, de acréscimo de consumo relativamente ao que acontece em período normal”, sendo, por isso, “previsível que a generalidade dos consumidores não tenha necessidade de reabastecer nos próximos dias”.
Costa esclareceu ainda o seguinte: “Uma coisa são as reservas estratégicas nacionais, que o país dispõe para três meses, para responder a um cenário em que, por um motivo externo, o país deixa de ter condições de ser abastecido e de importar o combustível que necessita para ser vendido. O cenário que temos aqui hoje é completamente diverso. O problema que hoje temos não é de falta de combustível no país, é da capacidade de distribuição desse combustível”.
Ora, fez questão de sublinhar o primeiro-ministro, “o abastecimento dessas reservas estratégicas não resolve o problema de cada uma e cada um dos cidadãos”: “Para que isso aconteça é absolutamente fundamental que funcionem os serviços mínimos, que a rede de emergência esteja a funcionar e foi essa a avaliação que estivemos aqui a fazer, que está permanentemente a ser monitorizada pela ENSE, em tempo real, para saber, em cada momento, qual é a capacidade que existe para responder”.
Ao lado de António Costa, o presidente da ENSE explicou que as várias entidades envolvidas na resposta à greve “se prepararam” para “fazer face não à falta de combustível”, mas “para fazer chegar o produto aos postos e ao consumidor final”. E acrescentou que, como “o stock que normalmente consta dos postos de abastecimento foi transferido para os veículos do cidadãos”, os “tanques foram novamente reabastecidos”: “Há produto junto dos consumidores e há ainda postos de abastecimento que estão robustecidos e que, neste momento, ainda hoje estão a ser abastecidos, não normalmente, porque é domingo, mas estão a receber produto e, de alguma forma, a equilibrar o consumo que está a ser feito”.
Já o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, adiantou que o centro de coordenação operacional da Protecção Civil está desde este domingo a avaliar duas vezes ao dia as necessidades de resposta para o planeamento civil de emergência.